Depois de um tempo mais atarefado, deixo aqui para os meus amigos um apontamento, este agora na Apresentação do meu livro, na Fundação Museu Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, em Águeda onde tive o privilégio de fazer parte do Catálogo do Pintor António de Matos Ferreira, cuja exposição estará patente , assim como o livro "Luminescências", até Fevereiro.
Escrito no vidro da sala, versos de "Um esboço de pintura" da minha autoria, encimados por uma pintura do autor.
Um dia memorável, sem dúvida!
Na urgência, pelo
menos de uma imagem, Mestre, tentei
gravar a sua
sombra na fantasia
dos meus sonhos.
As minhas mãos
seriam agora o pincel
que segurava a tela para delinear o seu corpo.
Arredondava as
formas, aperfeiçoava os traços,
esboçava as
feições do seu rosto.
Queria delinear a
sua boca, dar voz aos seus lábios
mas ficava presa à
imobilidade,
incapaz de dar
vida ao seu sorriso.
E eu sorria na
esperança de ultrapassar o meu limite.
Em vão.
Recortava os seus
olhos, levantava-lhe as pálpebras,
desenhava as
sobrancelhas, donde irrompessem a melancolia do amor
e a piedade do meu
esforço, imaginando o movimento do seu
olhar .
Mas continuava
absorto.
Inquietantemente
longínquo, distante, inexpressivo, impessoal.
Não consegui
transmitir vida,
não conseguia ler
o amor,
no amor de
pintá-lo nos meus traços.
Desiludida,
senti a minha insignificância na insuficiência
e incapacidade de
dar-lhe alma.
Queria luz,
Mestre, queria cores espremidas
dos frutos quentes
que arrebatassem desejos inocentes;
que fossem o mapa
dos meus sentidos e sentires;
que fosse a
amálgama, do objeto criado e criador.
A sintonia entre a
cor quente das papoilas
e o rosto
ruborizado na inocência do amor.
Desenhei-lhe uma
túnica,
envolvi o seu
vulto na sombra ondulada e transparente da seda,
vesti o seu corpo
com a espuma quente do meu olhar.
.
A perfeição
escondia-se na voz da sabedoria, Mestre,
e no sossego da
tela
onde se abandona a
seiva deslumbrada, nas mãos de um Pintor.
Interrompi o meu
caminho,
guardei a pintura
na distância das minhas memórias.
Ela é agora a
poesia dos meus olhos.
Só.
Manuela Barroso