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sábado, 13 de julho de 2019

Diz-me



 Christine Elger

Diz-me de que é feito o longe
na música que percorre o labirinto
de mim e interroga a minha alma.
Diz-me de que é feita a saciedade
na acalmia do meu deserto e nas
ondas penumbrosas do meu bosque.
Diz-me porque, instantes de solidão
e prolongamento de silêncios,
na janela de mim suspensos, são
vapores de bálsamo, tão suaves
e de tal forma breves, que me entram
enlaçados numa corrente de sossego e sobressalto.
Partem vidraças, rompem fronteiras em desumana febre
rasgam cortinas de luz e poeira, que mediante a paz
tanto me faz viver num palácio como num casebre.
Diz-me porquê.

Manuela Barroso- "Luminescências"









segunda-feira, 8 de julho de 2019

Esboço de uma pintura


Depois de um tempo mais atarefado, deixo aqui para os meus amigos um apontamento, este agora na Apresentação do meu livro, na Fundação Museu Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, em Águeda onde tive o privilégio de fazer parte do Catálogo do Pintor António de Matos Ferreira, cuja exposição estará patente , assim como o livro "Luminescências", até Fevereiro.
Escrito no vidro da sala, versos de  "Um esboço de pintura" da minha autoria, encimados por uma pintura do autor.
Um dia memorável, sem dúvida!



 
Na urgência, pelo menos de uma imagem, Mestre, tentei
gravar a sua sombra na fantasia
dos meus sonhos.
As minhas mãos seriam agora o pincel
que segurava  a tela para delinear o seu corpo.

Arredondava as formas, aperfeiçoava os traços,
esboçava as feições do seu rosto.
Queria delinear a sua boca, dar voz aos seus lábios
mas ficava presa à imobilidade,
incapaz de dar vida ao seu sorriso.

E eu sorria na esperança de ultrapassar o meu limite.
Em vão.
Recortava os seus olhos, levantava-lhe as pálpebras,
desenhava as sobrancelhas, donde irrompessem a melancolia do amor
e a piedade do meu esforço, imaginando o  movimento do seu olhar .
Mas continuava absorto.
Inquietantemente longínquo, distante, inexpressivo, impessoal.
  
Não consegui transmitir vida,
não conseguia ler o amor,
no amor de pintá-lo nos meus traços.
Desiludida,
senti a  minha insignificância na insuficiência
e incapacidade de dar-lhe alma.

Queria luz, Mestre, queria cores espremidas
dos frutos quentes que arrebatassem desejos inocentes;
que fossem o mapa dos meus sentidos e sentires;
que fosse a amálgama, do objeto criado e criador.
A sintonia entre a cor quente das papoilas
e o rosto ruborizado na inocência do amor.

Desenhei-lhe uma túnica,
envolvi o seu vulto na sombra ondulada e transparente da seda,
vesti o seu corpo com a espuma quente do meu olhar.
.
A perfeição escondia-se na voz da sabedoria, Mestre,
e no sossego da tela
onde se abandona a seiva deslumbrada, nas mãos de um Pintor.

Interrompi o meu caminho,
guardei a pintura na distância das minhas memórias.

Ela é agora a poesia dos meus olhos.
Só.


Manuela Barroso