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terça-feira, 8 de outubro de 2024

Novo Outono

  

        ...testemunha de vários outonos, folha verde, semeada de risos com bocas abertas



Um dia tépido atravessava os campos malhados de folhas enrugadas
e corcundas das videiras, sem os brincos das uvas presas em cachos.
O sol espreguiçava-se ainda no chão, alimentado pelo orvalho
sem pressa de se levantar, elevando-se em vaporosos odores a terra molhada.

Numa aparente indiferença sobressaía uma robusta testemunha
de vários outonos, folha verde, semeada de risos com bocas abertas,
esperando que o calor do sol se desprenda das nuvens para ajudar
no parto dos ouriços entumecidos que sempre anunciam no outono
o fim de uma gravidez anunciada.
O parto acontecia nos ramos donde se desprendiam nascituros
sem tempo para serem meninos.
...e à medida que iam caindo olhava para a altivez humilde da árvore
que sempre mãe , sorria a cada mergulho das castanhas, às vezes
ainda no ventre de um ouriço servindo de paraquedas e que caíam
na almofada verde da erva molhada.
...e o que antes me era indiferente pela banalização sempre testemunhada
deste ciclo da natureza, hoje desbobinava o filme da minha infância
como que despertando de um sono letárgico.

Apartando orvalhos e folhas, sorria para cada castanha que me surpreendia
com o seu verniz acabado de nascer.

 ...Olhei os campos em redor e lá plantei as saudades.


  

                                            ...e que caíam na almofada verde da erva molhada.



...sorria para cada castanha que me surpreendia com o seu verniz acabado de nascer.


                                          ...Olhei os campos em redor e lá plantei as saudades


Manuela Barroso

Texto e imagens

(reeditado)






segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Faz-se longe

  



Faz-se longe nos atoalhados de andorinhas
rumando ao sul entardecido.


Que te perturba no bico alado das tuas penas
em constantes recomeços de flores azuis?
 

Quando voltardes trazei moradas tardias.
Quero anoitecer meus braços na chilreada dos poentes
para que a aurora seja  nova revoada de alegria.


Manuela Barroso

Pintura E. Efremova



Com um abraço para todos/todas
 

 

 

 

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Deambulando

 





É uma luz calma que vai espreitando a terra.
Um vento leste, triste e manso, carrega com ele o ar cansado do verão quente.
Tudo estiola.
O orvalho é bebido pela vida que o rodeia...
...e as folhas ficam encarquilhadas, numa contorção angustiante de sede, de sombra.
Solo ressequido e poeirento nas bermas asfaltadas das estradas.
O caminho alonga-se na medida inversa dos raios solares.
Uma pedra lavrada de musgo seco, lembra que já foi palco de vida...
...fim de estrada, fim de pó.
Nasce um córrego que foge deste talco, descendo uma delicada ravina...
...e a sombra arrasta o verde...
Cheira a água e acontece a profusão de cores, nas flores penduradas, nas ribadas.

Os meus pés soletram as lajes uma a uma, escorregadias, como granito macio, roído pelo tempo.
Os ouvidos questionam um sussurro.
A água vai rebentando das rochas num regato maroto, bordado de flores azuis! São miosótis!
Acompanho este correr cantante da água...
...meia poça, meio lago, num aconchego de margens feitas em açude,  árvores inclinadas, numa saudação à Natureza...
...e mais vida acontece com a água plantada no verde das plantas aquáticas subindo...subindo à procura de luz, nas flores, nos ninhos dos rouxinóis presos na sombra do berço de folhas, nas libelinhas e no coaxar das rãs...
E todos os meus sentidos ficaram presos nesta presa  e na quietude onde tudo aconteceu espontâneamente, exceto eu...

E  o arrepio do vento era agora a brisa morna que acalmava ainda mais a pele das águas que tremiam só  com o esvoaçar das libelinhas, neste espelho onde até o céu se mirava...

O tempo morria, porque nele me perdi...numa imensa meditação...
...e permaneci assim presa, nesta encantadora prisão...


Manuela Barroso-"Deambulações"

Imagem-Pixabay


                                         Boas Férias, Agosto!




quarta-feira, 17 de julho de 2024

Não me perguntes

 





 
Não me perguntes, vento, porque não quero
tuas asas no planalto das águias desafiando
os penhascos.
Não quero o desafio em relâmpagos sinistros
matando a pacatez dos sonhos azuis.
Quero o poder de definir o destino da minha
liberdade sem ser a ave que contorna os teus
humores.
Não definas meus limites porque a minha meta
é o infinito na poeira do desconhecido.
Arrepia a minha pele mas não a minha alma can-
sada dos teus movimentos.
Quero as sonoridades do vazio onde tudo flui num
etéreo manto de silêncio.
Aqui me quero repousar.
Embala-me num sono mudo na intimidade da minha
casa.
Não brinques com os meus cabelos nem distraias o
meu olhar.
Deixa que seja ave de mim.
Quero ser levada à procura do palácio do meu tempo
na transparência das minhas asas.
Deixa-me só, assim.
 

Manuela Barroso

 

Um Beijo para todos/as!

 


segunda-feira, 1 de julho de 2024

Vieste

 


Vieste dentre os filhos das nuvens.
No colapso da luz
transgrediste o sinal que jazia
inerte
no crepúsculo das águas.

E fez-se noite.

No labirinto da aurora
renasciam as flores noturnas.
No compasso do orvalho,
as gotas caindo,
lavavam olhos que aos poucos
se iam abrindo.

De novo o crepúsculo.

Mas hoje, vestido de branco
e  sorrindo.

Manuela Barroso



quarta-feira, 19 de junho de 2024

Quando

 


monet




Quando todas as flores despertarem, amado,  
leva-me no pólen e na cor das suas asas.
O sol que me abriga sufoca o meu desejo de renascer.
 
Quero a placidez da penumbra no abrigo dos lírios.
Em uníssono e num cântico cósmico,
faço parte da dança de Shiva,
confluindo na corrente harmónica do Tudo.
 
As margens do rio
abraçam a calma deste lago semeado de nenúfares,
costurando reflexos de paz.
 
É aqui que eu sou o átomo flutuante,
esperando o cais do repouso.


Manuela Barroso


Devido a factores de vária índole se deve a minha ausência.
 Virei na medida do possivel. Obrigada, AMIGOS/as 


terça-feira, 30 de abril de 2024

Maio

christiane schloe 

 



Fecho os olhos e percorre-me a música de maio.
É o êxtase inconfessável nos sons definidos e indefiníveis.
É a cor divisível nas folhas e cambraias de flores,
no indivisível que se afunda na incapacidade cósmica
que cinzela a perfeição.
É o grito impotente de abraçar o abismo
onde enterro a minha impotência.

Uma enorme sensação de paz quase desumana,
troca esta fome de alcançar o indivisível
para morrer na alegria de estar aqui.

 Abro então os olhos e sinto quão grande
é a beleza deste cântico que sepulta a minha alma
num leito verde e florido, num eflúvio  que abarca
todos os sentidos e mata esta sede de abraçar os sons
deste Poema feito Vida e Mundo e Terra e Flores e Pássaros .
...

Manuela Barroso

terça-feira, 16 de abril de 2024

Bocejo de primavera





Se não te ouvisse
os corais não falavam das cores
que migram na tatuagem dos segredos

Se não te ouvisse
o nevoeiro não exalava a voz
no gemido da cegueira
dos rebentos por nascer.

Escutando,
falo com os corais que não vejo
e os segredos que esqueci.
Por entre a neblina
escuto o cheiro das roseiras
grávidas de flores e espinhos.

Agora
deixa-me escutar o cheiro das magnólias
no artificio das flores brancas
no bocejo da primavera.
          
 

            texto-manuela barroso
           arte-christian scholoe

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Era Madrugada em Lisboa


                            Muitos Parabéns, Graça Pires pela forma como abordaste o tema.


 

O livro de Graça Pires é daqueles casos em que não nos contemos a saborear uma só poesia tal é a fome que ele desperta. Daí que o lesse com avidez. E pensei:na verdade, como dizia a Natália Correia , " a poesia também é para comer".

Senti uma enorme dificuldade na escolha mas tive que optar. 



Sem prazo, sem aviso, sem detença,

aconteceu em abril

o mais esperado tempo

e, com ele, o cheiro

da terra que nos pertence.

No contorno deste chão

um grito abraçou o povo comovido

com o assombro e com os cravos.

Reinventaram-se os sonhos

e as palavras fraternas.

Era madrugada em Lisboa.

E o dia captou a dádiva da luz matinal

para que cintilasse no olhar de toda a gente.

No clamor de cada rua,

a palavra liberdade

passou de boca em boca,

até ao enrouquecimento da alegria.



Do Livro

Graça Pires,  "Era madrugada em Lisboa"

Louvor a um dia com tantos dias dentro, Poética, 2024










quarta-feira, 3 de abril de 2024

Graça Pires- Convite- Ampulheta

Com a aproximação do dia 25 de Abril- Dia da Liberdade, a Poeta Graça Pires brinda-nos com o lançamento de  mais um livro seu alusivo a este acontecimento tão marcante já no dia 7 de  Abril de 2024 às 15,00horas.
Impossível esconder a ansiedade, quer pelo conteúdo, quer pelo o estilo que já lhe conhecemos. Eis uma oportunidade excelente de convívio para quem puder estar presente! 
Parabéns, POETA! Desejamos-te muito sucesso! 



 O livro está em pré-venda através do link:
https://poeticalivros.com/collections/poesia/products/era-madrugada-em-lisboa-louvor-a-um-dia-com-tantos-dias-dentro ( Ver em ortografiadoolhar.blogspot.com)


Transcrevo um poema do Livro "ERA MADRUGADA EM LISBOA"


Eram militares.
Eram jovens.
Carregavam no peito
o peso da arma e do receio.
Quantos rezaram?
Quantos choraram?
Quantos vacilaram?
O retrato dos filhos perto do coração.
A imagem da mulher a cercar-lhes o corpo.
As mãos das mães cheias de bênçãos.
E todos tão cheios de coragem!


Graça Pires











Sobe o tempo na ampulheta da vida.

Cai o pó esférico

gota a gota

numa calma desmedida.

E as palavras sobram em estáticos sentimentos

procurando à deriva

dar forma ao pensamento.

 

Entrelaçadas nos olhos são a luz e são a cor.

Entrelaçadas nas mãos

são presença, vida, amor.

Entrelaçadas nos sons são música na poesia.

 

E na ausência de laços

eis a porta que se fecha

dentro de uma casa vazia.



manuela barroso, "Luminescências"

 

 





domingo, 31 de março de 2024

Feliz Páscoa-A minha Páscoa

                                          Páscoa Feliz para Todos/as!

   





    Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

    A paz sem vencedor e sem vencidos

    Que o tempo que nos deste seja um novo

    Recomeço de esperança e de justiça.

   …

                     Sophia de Mello Breyner Andresen

   








Tempo de Páscoa!
O azul do céu, parece mais límpido, transparente e tranquilizador.
Há um misto de serenidade e inquietude.
A Natureza associa-se ao Tempo com uma certa inconstância:ora está a acordar duma longa hibernação, numa espécie de preguiça ,ora acorda irritadiça alagando as várzeas e fazendo tremer os salgueirais.

Mas também convida,assim e quem sabe, de propósito, ao recolhimento de um passado que Agora ainda se recorda: A Morte de Jesus numa tosca cruz.

Mas a saudade vem quando, depois de comemorar a ressurreição, o Compasso visitava a minha casa, acompanhado de um tilintar de uma alegre campaínha! 

E lá vinha uma coroa de flores brancas pequeninas de um rosa ternamente suave , envolvendo Jesus numa cruz menos grotesca.
E a saudade voltou ao meu peito!

Boa Páscoa, menina...

E não era assim tão pequenina.


Manuela Barroso





quinta-feira, 28 de março de 2024

Se


 

Se a Tua existência não sensibilizou o coração dos Homens
Que a Tua morte os desperte para o mistério da Vida.


Manuela Barroso ( reeditado)


quarta-feira, 20 de março de 2024

Primavera

  


Imagem da internet


 

 

Ainda ontem te despias para
adormecer no longo inverno que te esperava...
Ainda ontem te deixavas morrer
dando lugar à renovação da vida...
Ainda ontem te deixavas cair,
dando o exemplo de que morrer, não é morrer,
é dar a vez, alternando...

...E a cor morria ou fundia-se na alegria
da essência de nós e das outras coisas.
Mas os dias vão crescendo e com eles
a essência escondida em tudo que é vida.

Voltem timidamente os ramos a intumescer-se
como os primeiros sorrisos de criança!
Voltem a rebentar os bolbos das tulipas
e das frésias do meu jardim!
Volte a surpreender-me o merlo malandro 
que salta prestes dentre a folhagem densa
soltando agressivos desafios

E no ventre da Terra,
a vida entorpecida, desperta,
estalando em movimento,
verdura e cor!
...E fico assim à espera, vendo, olhando, pasmando,
absorta numa quase total ausência de mim…

...Desperto, sorrio...
Vale a pena a vida?
Sim!...
 

manuela barroso







terça-feira, 5 de março de 2024

Voa

 





Voa livremente como uma gaivota
Plana levemente como a brisa
Que sempre te abrirá uma rota
Um rumo certo que te abriga
 
E se vires que não consegues planar
Vê-te como uma nuvem passageira
Que não corre, vê que se passeia
Suavemente, sempre a divagar 
 
Afinal, porque sempre corres?
Porque fazes tudo tanto à pressa
Como quem anda a intentar mentir?
 
Na morte, como de resto, na vida
Tudo se harmoniza com o tempo certo
Não te vale a pena andares a fugir.


Manuela Barroso, "Luminescências"

 

 

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Ouve

 


...

Ouve o berço onde se move a transparência branca 
e o aroma materno
de uma estrela em flor.
Extasia-te no júbilo da discreta harmonia
das mais íntimas flores,
do eco mais longínquo  e secreto
pulsando  em uníssono  nos confins das galáxias.
Pasma com a imensidão infinita
que trazes na alma
escondida na pequenez do mundo do teu peito.

Reencontra-te na neblina rosa do bosque.
 

Manuela Barroso