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E...
...ainda ouço os rumores vazios das noites quentes de verão.
Queria volatilizar a saudade das vozes frescas das crianças, na poeira da estrada.
Queria poder esquecer o chiar dos carros de bois naqueles estios dolentes, arrecadando urze, tojo e flores silvestres que se deixavam arrastar pelo suor demolidor de corpos cansados.
Queria voltar à sombra da minha tangerineira com persianas de flores escorrendo pólen, suavizando a alma de perfume, enchendo os olhos de perguntas que eu guardava na concha das mãos.
Sobram as paredes sujas do tempo, as fontes secas de águas desviadas, o jardim solitário de uma multidão de pétalas, a geometria desfeita dos canteiros que contornavam as minhas rosas.
A sombra persegue-me num espelho de recordações que me vão morrendo, abafando os alicerces da infância.
Já não ouço as poupas, as rolas e o cuco, música que me embalava nestas tardes mornas subindo pelos troncos das glicínias.
Não lhes dão tempo de migrarem. Com as sementeiras de pesticidas, tiram-lhes o voo e a voz.
Com eles os grilos e as cigarras.
Mas...
...afinal onde vai o meu devaneio ? No ponto de partida...porque a alma está ferida.
Hoje, abandono-me num canto que me acolha.
E espero, paciente que alguma alegria me recorde, volte e me recolha.
Manuela Barroso