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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

À Noite

 


 

As palavras deitam-se ao ritmo das horas incertas dos espaços mentais…
Os números do tempo aquietam-se no sossego e tranquilidade da noite.
Ouve-se um sussurro quente que mexe a roupa nos estendais…
O vulto de mim, aproxima-se da janela aberta que me abraça com a noite.
O ventinho morno convida para um “tête-à- tête”, na noite cálida.
Aceito.
O som continua cavo, vindo das profundezas do horizonte que já não lobrigo.
Tudo calmo.
Só um vento mensageiro de mistérios que se escondem nas esquinas esconsas da cidade.
A roupa continua a dançar no estendal, como num bailado de fantasmas…
…E o olhar perde-se por instantes, prendendo-se ao piar pegajoso das gaivotas.
Saboreio esta mensagem de ar, com as castanhas de S.Martinho.
Mistura de sabores que vagueiam no cérebro, onde dormem recordações…
…E a leitura da brisa começa a saber a arrepio, a saudades nocturnas…
Olhos que se deitaram no céu, perdiam-se agora em lembranças fugidias que o inconsciente teima avivar…
Uma espécie de “déjà vu” retira-me da janela que agora fecho com a alma dos olhos e empurro com as mãos.
Recolho o silêncio da noite e deponho-o no meu leito…
…é com ele que me deito!
 

                                       

Texto-Manuela Barroso

Imagem-Da Net

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Amor Incondicional

 


 

 
...E insinuas-te numa conversa contínua, em que não me deixas concentrar...
Bates de súbito na porta do meu peito e interrompes o meu diálogo.
Mas não te impões. Inspiras.
Não aborreces. Pedes.
Não obrigas. Insinuas.
E o meu Eu submete-se à tua força.
Entre o Ego e o Eu, tu és a verdade da vida.
Tua presença é o precipício dos egoístas e o perfume dos amantes.
E não exiges porque tu és redenção.
E não esperas porque não aceitas trocas.
E no silêncio da alma, a tua voz ecoa num murmúrio doce como um cântico de acordes celestiais só possível num Universo desconhecido!
E sinto essa espécie de som invisível, num coração que não sei se é o meu. E nele, semeias uma paz...minha eterna companhia, na companhia das minhas horas.
Se desfaleço, não peço que voltes porque já estás escondido em mim...
E a solidão transforma-se em minha confidente...
Com ela partilhava as desilusões humanas que hoje são livros de meditação e elevação, e que leio nas horas a sós contigo...
Ah! Se pensam que morri, digo que não, que cresci!
Por ti, para ti!
E transformas infortúnios e humilhação em lições de afetos, na dádiva de Amor sem condições, sem obrigação de retribuir o verbo amar.
As horas vão passando, cadenciando o tempo, e a tua presença é o sino que desperta e alegra, anunciando o verdadeiro sentido do delírio do Amor: Amor Sem Condição.
...Mas cai na humana condição, também o teu encanto, no repouso adormecido, entrelaçado com caudais de emoções descontroladas que banham o coração descompassado dos amantes, quando se abandonam em pedaços de céu, numa miragem incandescente do Divino...
E na teia da vida, imprimes caudais de sentimentos, feitos de mel, no fel da injustiça e ingratidão.
E os fardos ficam submersos na espuma da Esperança e elevam-se nas nuvens, numa ascensão meteórica, feita de graça e de paz!
E a vida pára, como que em espasmos, em êxtases de ternura!
É urgente encontrar o Amor para parar o tempo!
É urgente encontrar tempo para viver o Amor!
...Porque este é o segredo da Vida:
Encontrar coisas que façam parar o tempo, ou encontrar tempo para parar as coisas!
...e parei
...para me encontrar!
 

  

Manuela Barroso

(reeditado)

 


terça-feira, 8 de outubro de 2024

Novo Outono

  

        ...testemunha de vários outonos, folha verde, semeada de risos com bocas abertas



Um dia tépido atravessava os campos malhados de folhas enrugadas
e corcundas das videiras, sem os brincos das uvas presas em cachos.
O sol espreguiçava-se ainda no chão, alimentado pelo orvalho
sem pressa de se levantar, elevando-se em vaporosos odores a terra molhada.

Numa aparente indiferença sobressaía uma robusta testemunha
de vários outonos, folha verde, semeada de risos com bocas abertas,
esperando que o calor do sol se desprenda das nuvens para ajudar
no parto dos ouriços entumecidos que sempre anunciam no outono
o fim de uma gravidez anunciada.
O parto acontecia nos ramos donde se desprendiam nascituros
sem tempo para serem meninos.
...e à medida que iam caindo olhava para a altivez humilde da árvore
que sempre mãe , sorria a cada mergulho das castanhas, às vezes
ainda no ventre de um ouriço servindo de paraquedas e que caíam
na almofada verde da erva molhada.
...e o que antes me era indiferente pela banalização sempre testemunhada
deste ciclo da natureza, hoje desbobinava o filme da minha infância
como que despertando de um sono letárgico.

Apartando orvalhos e folhas, sorria para cada castanha que me surpreendia
com o seu verniz acabado de nascer.

 ...Olhei os campos em redor e lá plantei as saudades.


  

                                            ...e que caíam na almofada verde da erva molhada.



...sorria para cada castanha que me surpreendia com o seu verniz acabado de nascer.


                                          ...Olhei os campos em redor e lá plantei as saudades


Manuela Barroso

Texto e imagens

(reeditado)






segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Faz-se longe

  



Faz-se longe nos atoalhados de andorinhas
rumando ao sul entardecido.


Que te perturba no bico alado das tuas penas
em constantes recomeços de flores azuis?
 

Quando voltardes trazei moradas tardias.
Quero anoitecer meus braços na chilreada dos poentes
para que a aurora seja  nova revoada de alegria.


Manuela Barroso

Pintura E. Efremova



Com um abraço para todos/todas
 

 

 

 

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Deambulando

 





É uma luz calma que vai espreitando a terra.
Um vento leste, triste e manso, carrega com ele o ar cansado do verão quente.
Tudo estiola.
O orvalho é bebido pela vida que o rodeia...
...e as folhas ficam encarquilhadas, numa contorção angustiante de sede, de sombra.
Solo ressequido e poeirento nas bermas asfaltadas das estradas.
O caminho alonga-se na medida inversa dos raios solares.
Uma pedra lavrada de musgo seco, lembra que já foi palco de vida...
...fim de estrada, fim de pó.
Nasce um córrego que foge deste talco, descendo uma delicada ravina...
...e a sombra arrasta o verde...
Cheira a água e acontece a profusão de cores, nas flores penduradas, nas ribadas.

Os meus pés soletram as lajes uma a uma, escorregadias, como granito macio, roído pelo tempo.
Os ouvidos questionam um sussurro.
A água vai rebentando das rochas num regato maroto, bordado de flores azuis! São miosótis!
Acompanho este correr cantante da água...
...meia poça, meio lago, num aconchego de margens feitas em açude,  árvores inclinadas, numa saudação à Natureza...
...e mais vida acontece com a água plantada no verde das plantas aquáticas subindo...subindo à procura de luz, nas flores, nos ninhos dos rouxinóis presos na sombra do berço de folhas, nas libelinhas e no coaxar das rãs...
E todos os meus sentidos ficaram presos nesta presa  e na quietude onde tudo aconteceu espontâneamente, exceto eu...

E  o arrepio do vento era agora a brisa morna que acalmava ainda mais a pele das águas que tremiam só  com o esvoaçar das libelinhas, neste espelho onde até o céu se mirava...

O tempo morria, porque nele me perdi...numa imensa meditação...
...e permaneci assim presa, nesta encantadora prisão...


Manuela Barroso-"Deambulações"

Imagem-Pixabay


                                         Boas Férias, Agosto!