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terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Natal-2016





Hoje a saudade bateu à minha porta.
Peguei na criança que eu fui e embalei-a no pensamento das minhas memórias repletas de recordações...
...Eram dias frios e húmidos nas terras do Gerês.
A noite era o breu que cobria a aldeia entrecortada de pinheiros e eucaliptos.
O peito enchia-se do aroma purificador do pinho ácido enquanto a manhã crescia com a azáfama do Natal. Os adultos trocavam conversas sérias, feitas de doces e da ceia.
Mas... e o presépio?
Isso era com as crianças...
Então, descia os caminhos toscos, serpenteados por entre os pinhais que levavam ao rio.
As pedras penduravam-se verdes e viçosas. E eu colhia as pastas de musgo da face dos rochedos, deitados por entre os pinheirais.
...E nascia um presépio com cheiro a pinho, a musgo, a verdade...
Não tinha piscas de luzes  mas um único ponto fixo luminoso, recordando a mensagem de Belém.
...Nasceu um Menino que iria desinquietar os bem instalados na Terra.
...E a mesa crescia com a alegria da festa, e da festa dos sabores.
Meia noite.
O sapato mais bonito para o Menino Jesus! Era uma presença especial, pois claro!..
...E lá ia deitar-me vendo bem a posição do sapato, não fosse Ele esquecer-se...
Adormecia com o sapato e a ansiedade
...E mal nascia o dia, corria para a chaminé, pendurando a surpresa no coração...
...O Menino lembrara-se de..mim e a alegria era do tamanho da felicidade daquele instante!..



Hoje também recebo presentes...
...Mas não ponho o sapatinho!..
Hoje também ofereço presentes...
...Mas não são para pôr no sapatinho... mas para o " pinheirinho" entupido de embrulhos e laços pretenciosos...
...E parece que a festa começa aqui...com as crianças histéricas a rasgar papéis e laços ...continuando...a abrir presentes agora já entediadas...acabando por lançar neles um olhar absorto, mudo, fundo!

Perco-me em mim. Agora, não na saudade, mas nas perguntas que borbulham na alma como lava num vulcão!..
...E as respostas saem luminosas e quentes...
...Ora me queimam, inquietando-me...
...Ora me inquetam, queimando-me ainda mais!
...Ah! O meu Natal
...O meu sapatinho
...O meu Menino Jesus!
...
(reeditado)

FELIZ NATAL PARA TODOS!

Manuela Barroso



Nasceu um Menino que iria desinquietar os bem instalados na Terra.



sábado, 12 de novembro de 2016

Mãe-100 anos


SÃO 100 ANOS, QUERIDA MÃE!



Mãe!.
Neste dia
pudera vestir-te de estrelas
e  no teu manto  de céu  
com teus 100 anos de vida
serias do cometa a mais bela
coberta com o seu véu
alma minha ,
minha mãe
meu tesouro
meu troféu!

Pudera vestir-te de tempo
e nos confins do Universo  
serias em mim o infinito
Campo Zero firmamento

Mas és tão só minha mãe
que em seu ventre gerou
a mais humilde criatura
que o Céu te confiou!

Manuela Barroso,
12 nov 2016


sábado, 5 de novembro de 2016

Quase

 Vladimir Kush
Quase dia.

O jardim anoiteceu e com ele as gotas
nas nervuras dos olhos.
Ilhas de bancos numa solidão invisível.

Pousam sombras
nas asas nocturnas de melros amarelos.
Uma seda de magnólia tardia
voa
perde-se
tece-se em arabescos
fenece.

No ventre das tábuas solitárias
sentam-se memórias
no musgo abandonado do silêncio.


Manuela Barroso 

domingo, 23 de outubro de 2016

Fecho os olhos...


 Vladimir Kush

Fecho os olhos, passeio-me com o doce
embalar das tuas ondas e o cântico monocórdico,
suave  deste marulhar materno.
E sou a criança feita crisálida no meu casulo de
espuma à espera do teu beijo para renascer….
Medito na imperfeição da minha perfeição e
anseio sempre mais .
Quero o impossível que se abriga, esconde
no inconsciente na certeza do possível da
minha existência.

Procuro abrigar-me no alpendre das escarpas 
como a majestade das águias onde o perigo 
é a ausências dos medos.
Aqui, ouço a minha voz e a tua que se esconde no
silêncio da minha solidão.

Mas sou a insegurança da tua certeza,
na impossibilidade de te visualizar
para me apoiares na minha frágil condição humana.
Basta-me uma folha dançarina para avisar-me
da tua presença.

E eis-me no salão do meu palácio
onde me encontro a sós contigo!

Manuela Barroso

                                                                         

sábado, 8 de outubro de 2016

Partiram-se

 


PARTIRAM-SE os galhos que subiam
 pelo tronco da tua estátua.
 Agora permaneces deitada
no molho feito cama dos teus ossos
e apercebes-te da fragilidade da tua pele
antes florida.

Quando voltares a ver os ninhos das formigas,
 rogarás para que volte
a monotonia monocórdica e incómoda dos pardais,
ralhando em alvoroço com as telhas,
num eterno cântico à vida.

Manuela Barroso

Outubro, 2016


sábado, 17 de setembro de 2016

O Silêncio corre..





O SILÊNCIO  CORRE...                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            3
O silêncio corre as veias
que percorrem o veludo da noite
onde se escondem
palavras
gritos
segredos.
Sentimento sussurrado
em surdina inquieta,
delírios monocórdicos
em asas azuis.
Voos indiscretos, na discrição
do tempo
que dói,  porque foi.
Mas num regresso feroz
rasga o ar, veloz,
como se quisesse nascer.
E voa,
e plana
num sonho feito
no leito
das nuvens,
com lençóis evaporados,
bordados de leve brisa.
E voa,
planando.
E ,descendo das alturas
sobrevoa a madrugada.
E acorda com o vento
feito música
na alvorada!

                              Manuela Barroso
                                                                                                          

domingo, 26 de junho de 2016

A tua voz


A tua voz percorre o murmúrio do silêncio que penetra
na neblina sobrevoando a escarpa da encosta.
Passeio os olhos pelo turquesa das águas e os reflexos
me falam de ti.
A lonjura é perto para abraçar o horizonte.
Ficas a um passo de mim e a dois passos da eternidade.
A solidão é o altar das minhas memórias mergulhadas
nesta cor fundida com o azul intenso do céu.

Ecos perdidos quebram o ritmo deste percurso interior.
É um despertar nesta doce melancolia que se deixa
arrastar pelo oceano da minha pele ancorando no
porto da minha alma.
E este oceano longínquo e cristalino é o regaço
onde quero voltar a adormecer no aconchego
dos teus lençóis azuis onde também dormem
as nuvens.

...


Manuela Barroso, Poemas Oblíquos



sábado, 21 de maio de 2016

Yaíza



Acordas-me com os teus gritos negros num
incêndio de saudade, Yaíza!.
A memória insiste invadir o teu peito de lava e
o teu coração de catos eretos, na alucinação do sol


A tua brisa alísea permanece tatuada no acordeão
dos meus ouvidos.
Quero pernoitar na prisão das tuas correntes
nos reflexos da meia noite, desmaiando-se
nos novelos de espuma, na quietude branca do luar.

Anoitece, Yaíza, e no cetim da água da noite
és o fantasma que se funde no veludo negro do teu vestido.
Permaneces como impiedosa recordação
que fecunda de aromas doces as pedras virgens
que nascem ainda quentes do teu ventre.

Quero estender-te as mãos na manhã da tua areia
escrevendo o teu nome no meu corpo.
Serás da tua beleza a candeia
e eu, a saudade da tua lua cheia.


Manuela Barroso, in “Talentos Ocultos” – Editora Ediserv

                                                                               

domingo, 8 de maio de 2016

É dia




 Kamil Vojnar


É dia.
O jardim anoiteceu  e com ele as gotas
nas nervuras dos meus olhos.
Ilhas de bancos numa solidão invisível.
Pousam cintilações
nas asas noturnas de merlos amarelos.
Uma seda de ginjeira voa,
tece-se em arabescos e conchas de danças.
No ventre das tábuas solitárias
sentam-se memórias no abandono do silêncio.


Manuela Barroso



domingo, 1 de maio de 2016

MÃE - Rio de Afetos

 Arthur Braginsky


Hoje acordou-me o rio de todos os afetos

Espreguicei-me nos limos suaves,
numa placenta morna protegendo-me  dos ímpetos
do bico dos peixes no voo das águas

Toquei a minha pele, nas entranhas, onde
as sensações se disfarçam nos mistérios
da vida
Memórias do inconsciente nas horas brancas
em que te embalava  no meu seio
Permaneço ainda deslizando sombras maternais
no regaço que nunca arrefece.

Tenta demolir as pedras do abrigo materno!
Jamais apagarás os alicerces da
cidade que mãe construiu em ti.

Tu, mãe,
fonte de todas as sedes, onde morrem todas
as ânsias e todas as saudades, que vozes te
segredam  a ausência de ti?
Que sangue perfuma a transparência da tua alma?
Que pedra constrói o monumento da tua coragem?

Tu, que és mãe,
semeia de branco as constelações  que fazes nascer
no perfume das velas, na constância  permanente                                    
do teu amor incondicional.                                                                     
Tudo  de ti vem, em ti nasce afinal.

És tudo em todos
numa dimensão desigual

Manuela Barroso, in “Laços”-Dueto- Versbrava Editora


sábado, 26 de março de 2016

Páscoa

 A todos uma Páscoa Feliz e de Paz!

 
 

Se a Tua existência não sensibilizou o coração dos Homens
Que a Tua morte os desperte para o mistério da Vida.


Manuela Barroso
Páscoa de 2016

 
 
 
 
 
 

sábado, 12 de março de 2016

Os Olhos

 C. Ellger

Os olhos nasciam verdes na boca da noite
e tu
esperavas o sol da lua
no sorriso da água em flor
Acordaste os limos bordando rendas líquidas
na  transparência da tua presença distante
E o silêncio adormecia nos cerejais da noite
à janela fresca do luar
em sabores planos e plenos de fantasia

Não ouviste o som extenso e estridente das rãs
com tatuagens de estrelas no leito verde do lago 
embriagado de salgueiros que dormem a penumbra
nos beijos das rolas.

Ouço-te no compasso das metamorfoses
e nas asas gelatinosas dos caracóis
descendo
o vale
das folhas
em estradas
de goma branca

 Semeaste a calma na viagem livre
da luz selvagem
vagueando pelos cabelos lisos dos pinheiros
chorando resinas de saudade

 Na boca de pedra donde o gemido da água corria
ficaram as plantas da noite na serenidade espessa da luz
escrita na sombra enquanto a seiva dormia
 E
no chão burilado de estrelas
a minha paz se estendia!


Manuela Barroso, in "Talentos Ocultos"- Ediserv, 2014
                                                             

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Longe





Sabes, tudo fica longe demais!

O Espaço cresceu no Tempo com sede de todas as horas
Cruzam-se os ponteiros das árvores
com as asas das gaivotas ralhando com as marés
E o tempo das marés cola-se ao horizonte do Tempo
num espaço que só tem cor
É a cor de um tempo que morre nos lábios do mar
cercados de espaço

E tudo fica tão longe!

Lampejos longínquos visitam o tempo da noite
abandonando-se nos círculos do Tempo
em naufrágios de agonia
Rasga-se o véu da saudade de tão longa noite
que já foi dia.
Dói
porque fica longe
longe demais

Mas o tempo percorre o sal do rosto regado
com açúcares de alegria e torres brancas
no sorriso das ameias
sobranceiras à aldeia
Um espaço onde ecoam passos lassos
dos corpos sem memória
porque sabes,
tudo fica longe demais!

No precipício do Espaço [sem fronteiras] descem as vertigens 
em corvos de negro, no espaço das escarpas
que se vertem até ao abandono do leito
É íngreme e fica longe
E sem tempo de subir
Tudo é longo
Tudo fica muito longe,
longe demais!

Manuela Barroso, In “Laços” Versbrava


domingo, 24 de janeiro de 2016

Trago





Trago nos olhos a alegria da tarde.
Florescem violinos no silêncio harmonioso dos teus lábios
recortados pela suavidade da melodia.
Enfeito os cabelos de orvalho com grinaldas de glicínias
e atravesso densos juncais à procura do fogo do crepúsculo
consumindo-se na noite.
Quero a mão das estrelas sem lua.
Noite com velas.
Disperso-me na escuridão e quero o voo plano da águia
com saudade das alturas contornando o assombro dos abismos.

Manuela Barroso, "Eu Poético"