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sábado, 10 de março de 2012

Entardece



 
Entardece a manhã
no segredo seco das nuvens.
Outrora,
foi dia onde os sonhos se arrastavam
vestidos de veludos e sedas
num corpo em oásis de lâmpadas azuis
e ninhos de primavera,
deitados nas madrugadas.
A poeira da tarde
sobe o chão
em agonias ondulantes,
vagabundeando
por entre as gargalhadas da brisa,
atravessando 
interstícios de silêncio.
Nas nuvens
passeiam os aromas quentes
das searas maduras,
devoradas sem angústia
pela faminta luz do sol.
Os olhos percorrem este a
ora silente
ora inquieto,
que paira agora no tempo,
sacudindo harpas de saudades,
num vendaval de cores crepusculares
que tocam frementes
o horizonte.
E uma cascata de música
varre a pele silenciosa,
oferecendo sorrisos,
estilhaçando pontes de solidão,
nas flores das horas cansadas.
..........................

Manuela Barroso

Pintura: Fulvio De Marinis

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

EU´S

 As horas caíam silenciosas no tempo.
Tempo?
Regredi.
Vi uma criança feliz, adolescente pacata, dócil.
Um Eu que se foi apagando com as primaveras e o verãos. Sobravam traços com linhas indeléveis, testemunhos de uma presença Aqui, no Agora.
E este Eu Físico mergulhou no Agora onde navegam as emoções.
Ah, que margens verdes e quietas onde o céu se espraia neste espelho calmo, neste porto seguro!..
É aqui onde me encontro me deito e medito...
É aqui onde os meus passos se acercam da minha casa...
É aqui onde me refugio das indecisões que me ondulam no mar turbulento de marés altas, das menos verdades que me abalam.
E escuto-me...
...assim em silêncio, na solidão do meu lago.
...E as águas não falam porque não correm.
As palavras ficam prisioneiras nas margens como diques, sustentando a respiração do pensamento...
...E começam a tremer as águas com as incertezas dos ventos que rasam os salgueirais.
E como uma casca de noz, este Eu Emocional balança, inseguro, temendo perder o passeio no remanso da água azul...
E os ventos comprimem o campo emocional onde o meu Eu se refugia.
A insegurança nasce num olhar.
A incerteza aperta no peito.
A ansiedade incapacita este fluir manso de ideias e ideais.
E deixo-me arrastar na corrente dos ventos numa cascata disforme.
Nesta incapacidade de luta e fuga, eis que outro Eu vive em mim e me suporta e me protege e me descansa: A Essência de mim!
E aqui me repouso!
E adormeço.
E me teço...
Sou tecido feito de prazer, dor e amor
Sou o tecido feito de pele, de alegria e partilha
Sou o tecido feito de sede de ser, e de amar sem medida
Sou o tecido da fome,  feito de dádiva e compaixão
E sou o tecido do tempo...
...tecido em mim
com cheiro a paz e fome
de Infinito!

Manuela Barroso

Pintura de BlueAngelAndreea

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Nascentes...


Rasga-se a terra
Nascentes pacatas gorgolejam
no silêncio incessante da montanha
em gestos frenéticos
com ímpetos de alegria.
Voam gotas verdes
na vegetação diamante
em reflexos boreais.
As mãos palpam cristais líquidos
de pedras transparentes caiadas de verde.
Na madrugada do sol
deslizam silêncios de orvalho
em frisos de diamantes redondos.
Submergem dos regatos vozes de ervas
sorrindo reflexos azuis,
numa corrida cristalina e fluida
no assombro do sonho, à procura do destino
Uma viagem vagabunda
selvagem
entre  virgens florestas e flores
numa corrente agora mansa
com labaredas de preguiça irrefletida
na vertigem
e na embriaguez das cores.
O caminho perfuma-se de sol
e extasia-se em delírios
nas asas misteriosas das borboletas.
E atravessa o pórtico do assombro
num deslumbramento e fascínio
na visualização de sedas
que vestem pétalas sensuais e sedutoras
E nesta incandescência do dia
Nasciam nos olhos da nascente
Palavras incompletas de poesia.

Manuela Barroso

Pintura-Lucia Sarto                                                               

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Cobre-se...


Cobre-se a imaginação de nada.
Embrulho o pensamento com o manto branco da paz.
A mente desdobra-se em argumentos para matar a sua saciedade.
Mas em vão.
A imaginação aliou-se ao pensamento e caminharam em direção ao deserto, onde o vazio preenche o vazio.
A imensidão da areia fina e branca é o prelúdio para o pensamento vago,
voando por este mar branco e árido e cheio de nada.  
Céu longo.
Numa abóbada gigantesca, é a Criação que nos liga ao Infinito.
E, entre o deserto e o céu, só as miragens preenchem o vazio.
São abstratas.
E o pensamento acalma a imaginação.
E o vazio começa a preencher o espaço e o tempo.
E o espaço e o tempo começam a desistir.
Já não existe nem espaço nem tempo.
O pensamento entrou na antecâmara do Universo e foi atraído por ele. “Volatilizou-se” e disse não à resistência.
E encontrou-se no vazio.
E encontrou a calma e a quietude.
Pousou na serenidade.
E este vazio não era o nada, era o tudo, porque era o vazio do silêncio onde o pensamento repousava na tranquilidade adormecida.
E o pensamento, solto das amarras da mente, caminhou nas areias da imaginação.
E adormeceu.
Sentiu-se luz e sombra, tudo e nada.
E nesta libertação meditativa, adormecia nas areias da paz, na lonjura do deserto.
E as teias da vida acordaram-no para a realidade e o vazio foi-se preenchendo com o ruído e confrontos cerebrais. E foi -se deixando morrer...
E o vazio de tudo deu lugar ao vazio de nada.
E acordou o turbilhão da mente.
E o pensamento começou a deixar-se morrer também, como uma flor que a imaginação aprendeu a amar, alimentando-o tantas vezes de utopias...
Mas a mente desprendeu-se como um iceberg, arrastando os flocos da imaginação numa gigantesca bola de neve...
E a quietude do vazio dava agora lugar a avalanches e tempestades brancas, que de paz, só falava a linguagem da sua cor.
E voltou a realidade.
Fria e branca
Branca e fria!

Manuela Barroso

Pintura de Thomas Spence

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Simplicidades...

 SVM

A manhã madrugou os meus olhos ainda sombrios e a claridade acordou os sentidos ainda entorpecidos pelo longo sono da noite.
Neve. Frio.
Como um clarão, abriu-se uma fenda donde jorraram recordações brancas, longínquas, como o algodão de neve que envolvia agora a minha memória...
...
Manhã.
A bruma matinal dificultava a nitidez do horizonte da serra geresiana que a pouco e pouco desafiava o sol que ia cedendo à sua altivez, na glória da luz que fria, escorria...
Conforme o dia florescia, abriam-se clareiras na paisagem ora verde ora desnudada, de um Minho sempre alegre, cativante.
A terra vazia, cedia com mágoa à geada que penetrava nos interstícios como que ela própria buscando refúgio agonizante nos segredos do chão.
Os valados com a erva tenra, franzina, eram cascatas verdes vergadas e contornadas pelo rendilhado de gelo que cristalizou quando a água vazava, pingando no regato transparente escrito no solo.
...E era o fascínio...
Na viagem pelos valados, surpreendida pelo excesso de frio e temperaturas negativas, a água  congelava, dando origem às mais variadas formas, como que esculpidas por mãos invisíveis nas madrugadas esquecidas.
Esculturas intrigantes em cristal límpido e luminoso que eu procurava decifrar nas suas formas, ora abstratas ora “naives”, na embriaguez do imensamente belo!
E contemplava estas saliências e curvas anónimas interpretando enigmas frios, macios, tentando contornar as interrogações que fluíam em catadupa no rio da minha imaginação de menina.
E arrancava das ervas estas formas enigmáticas que pendiam como que surpreendidas, numa paragem brusca, de uma viagem com destino interrompido, agora nos olhos enternecedores e deslumbrados de uma criança.
Ausente do frio e vento fino do leste, rodava nas mãos pequeninas, perguntadoras e frágeis, estes caprichos da Natureza, num maravilhoso êxtase de fascínio que se cristalizou abrutamente naquela noite em que a água ainda dormia.
...e guardei-os em mim.
...
Voltei ao agora.
Procurei valados e fontes e ervas pendentes procurando reavivar memórias...
Só encontrei jardins geométricos e névoa de fumo preto contornando a serra cinzenta de cimento agreste...
 E num regresso às minhas memórias, refiz as minhas estátuas de outrora...
... e plantei agora no vale da minha sombra...
... transparências de futuro...

Manuela Barroso