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sábado, 24 de março de 2012

Simplicidades-Nuvens

As nuvens carregavam o céu com um fardo cinzento.
A claridade metálica penetrava nos olhos como frios cravos de aço.
Árvores e folhas ainda com o brilho atrasado no tempo, refletiam a sua insatisfação pela ausência de água.
Nem brisa nem sol.
Apenas o ar que parecia ter morrido ele também.
Os olhos carregavam este torpor numa busca inquietante de movimentos só pulsante em voos furtivos e incertos de pardais. Neste mutismo do tempo, emudeci com ele, esperando que ele falasse.
E nascia o diálogo entre o Eu e o tempo, o Eu e a cor, o Eu e as nuvens.
E senti que esta espécie de adormecimento do tempo, desperta mais a presença de nós, aquietando-nos nas contínuas viagens da imaginação, trazendo uma espécie de equilíbrio entre os dois mundos.
Uma aragem tímida começava a levantar o pólen.....
As nuvens faziam clareiras e moldavam-se lentamente em montes de espuma com contornos indefinidos.
Olhava, acompanhando a viagem aborrecida destes borrões agora brancos e densos no agora azul penetrante do céu.
O sol rareava por entre filtros de papiro numa timidez enternecedora espreitando as palavras que se soltavam dos olhos quietos, pousavam nos dedos, aumentando cada vez mais a minha quietude.
Sorri para mim.
Olhei para os penachos vaidosos de papiro por onde entrevia o preguiçoso vaguear das nuvens.
E perdi-me nesta aguarela azul com pinceladas brancas como caricaturas em movimento, como se cada pedaço que se ia destacando tivesse um destino.
Adivinhava em cada um, figuras imprecisas. E revia- me em brincadeiras de criança, adivinhando fantasias.
Hoje o inconsciente ao trazer-me de volta as memórias, emprestou-me outros olhos...
Este, é um museu vivo itinerante, com quadros que nunca se repetem, enfeitam sorrisos e ainda nos fazem sonhar...
...gratuitamente nesta ante câmara do sonho onde só entra a felicidade dos olhos simples para poderem deslumbrar-se com tão grandes simplicidades.
Assim.
Só.

Manuela Barroso

Pintura: Pakayala Biehn

terça-feira, 20 de março de 2012

O Sol...


O sol,
em sopros mornos
 e ainda sonhando as cores,
vai contornando os ramos
num murmúrio tranquilo,
nas páginas de folhas placentárias.
penetro na sombra da tarde
que vai ficando adulta
e no rosto do jardim
que dorme no aconchego
dos meus olhos.
na clareira das mãos
sinto as glicínias escorrendo
por entre os muros dos meus dedos.
e a luz passeia-se nas artérias luminosas do meu corpo
como musas magnéticas
banhando-se em constelações de violetas.
e neste candelabro profuso e brilhante
acendo música de camélias
ainda quentes,
na toalha azul
bordada de nuvens de madrepérola
e estrelas ausentes.
e a primavera
abre lírios de silêncio
que me atravessam adolescências
numa canção
de saudade
e de inocências.

Manuela Barroso

Pintura: Romel de la Torre