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segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Deambulando

 





É uma luz calma que vai espreitando a terra.
Um vento leste, triste e manso, carrega com ele o ar cansado do verão quente.
Tudo estiola.
O orvalho é bebido pela vida que o rodeia...
...e as folhas ficam encarquilhadas, numa contorção angustiante de sede, de sombra.
Solo ressequido e poeirento nas bermas asfaltadas das estradas.
O caminho alonga-se na medida inversa dos raios solares.
Uma pedra lavrada de musgo seco, lembra que já foi palco de vida...
...fim de estrada, fim de pó.
Nasce um córrego que foge deste talco, descendo uma delicada ravina...
...e a sombra arrasta o verde...
Cheira a água e acontece a profusão de cores, nas flores penduradas, nas ribadas.

Os meus pés soletram as lajes uma a uma, escorregadias, como granito macio, roído pelo tempo.
Os ouvidos questionam um sussurro.
A água vai rebentando das rochas num regato maroto, bordado de flores azuis! São miosótis!
Acompanho este correr cantante da água...
...meia poça, meio lago, num aconchego de margens feitas em açude,  árvores inclinadas, numa saudação à Natureza...
...e mais vida acontece com a água plantada no verde das plantas aquáticas subindo...subindo à procura de luz, nas flores, nos ninhos dos rouxinóis presos na sombra do berço de folhas, nas libelinhas e no coaxar das rãs...
E todos os meus sentidos ficaram presos nesta presa  e na quietude onde tudo aconteceu espontâneamente, exceto eu...

E  o arrepio do vento era agora a brisa morna que acalmava ainda mais a pele das águas que tremiam só  com o esvoaçar das libelinhas, neste espelho onde até o céu se mirava...

O tempo morria, porque nele me perdi...numa imensa meditação...
...e permaneci assim presa, nesta encantadora prisão...


Manuela Barroso-"Deambulações"

Imagem-Pixabay


                                         Boas Férias, Agosto!




9 comentários:

Roselia Bezerra disse...

Boa noite de Paz, querida amiga Manuela!
Uma densidade na sua prosa poética que encanta seu leitor amigo.
Dá para sentir tudo que narra com sinestesia e até suspiramos ao ler e sentir.
Tenha uma nova semana abençoada!
Boas férias!
Beijinhos

Toninho disse...

Lindo Manuela este ficar a observar cada movimento desta natureza, que tantos encantos provocam e nos alcança uma linda quietude ao som das aguas que correm lentamente para o seu destino.
Bela sensibilidade amiga.
Bjs e paz.

lis disse...

Uma crônica onde destaca o siblime da escrita que a paisagem trás a tona . Perfeita junção , Manuela.
deixando um abraço, kirida amiga

Fá menor disse...

Lindíssimo esse deambular. Por vezes também me perco assim... mas não o sei traduzir tão bem.

Beijinhos e tudo de bom!

Duarte disse...

Num ambiente assim a palavra brota com a serenidade adequada.
Lindo!!!
O dom do teu sentir e bem escrever, faz com que transmitas essas vibrações que só assim são possíveis. Beleza nos teus dizeres.
Grande abraço de vida, querida amiga

Graça Pires disse...

Deambular assim, com a sede a inventar a água, com as palavras a criarem o silêncio, com a Natureza a servir de pano de fundo de uma escrita que só tu és capaz, minha querida Amiga. Que prazer é deambular contigo.
Um bom Agosto.
Um beijo enorme.

Majo Dutra disse...

Uma paisagem fluvial descrita com minúcia poética, grande sensibilidade e talento.
Como estivéssemos nós a observar e a sentir.
Predomina uma perfeição e equilíbrio de mestre.
Agradeço os bons momentos de leitura.
Beijinhos
=====

Gracita disse...

Que lindo e mágico este deambular pelas rotas desenhadas pela natureza e colher com olhos ávidos as belezas que brotam advindas da da preciosa água que jorra do chão
E como não se perder numa meditação contemplativa diante de tão peculiar e lindo cenário
Um excelente agosto e bom descanso
Beijinhos querida comadre

Olinda Melo disse...

E a água faz toda a diferença. Com ela tudo flui,
nasce, renasce, há música por entre as pedras,
e os pássaros festejam o novo dia com trinados
e alegria. A Mãe-Natureza é pródiga em encanta-
mentos...
Belo Texto, querida Manuela.
Beijinhos
Olinda