SEGUIDORES

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Simplicidades de junho


Fecho os olhos e junho faz-se paisagem no sótão das minhas recordações.
Eram manhãs mornas que batiam na vidraça da pele.
Os cachos das uvas, ainda bebés, começavam a ficar suspensos nas latadas altas do Minho por entre as largas parras pintadas de calda bordalesa que pingava no roseiral em gotas de turquesa.
Conforme o sol se erguia, incidiam os reflexos nas ervas tenras e nos olhos dos morangos que salpicavam os valados num desafio silencioso com a explosão de cores das flores silvestres.
A tarde cálida era acordada pelo afago de uma brisa que se espraiava nos campos de centeio, provocando uma ondulação rítmica, num bailado em que cada espiga se balanceava com o seu par.
Ao longe, um som monocórdico, alegre, contínuo, acordava os salgueirais que bordejavam a uniformidade desta seara, convidando à calma...
... E perdia o olhar naquele  longo bailado silencioso numa coreografia bela, uniforme!
O cantar dos grilos despertava o mistério, o encanto das coisas simples da natureza, da vida...
Pé ante pé, atrevi-me a cortar a densidade das finas hastes de centeio, puxava uma espiga aqui e ali, saboreava a seiva adocicada e fazia o meu brinquedo numa mini flauta. E soprando, fazia ecoar o som pela seara deste celeiro verde!
Coisas simples de criança, na era dos brinquedos feitos com  a natureza!
Numa pequena clareira, num mini paul, o cantar tornava-se mais intenso e o sol incidia naquela casa onde a vida se resumia ao cântico das asas tremeluzentes, como o tanger de cordas numa orquestra de violinos,  só com tempo necessário para  saborear a serradela ali mesmo na horta da casa ...
Ajoelhei na relva viçosa e verde.
Bati à porta do nosso barítono.
Apareceu inquieto, irritado...
Afaguei-o, transportando-o na concha das minhas mãos!
E levava agora comigo toda a sinfonia da tarde...
Na boca, enfiados na haste do centeio, um rosário de morangos cujo perfume era um delírio para os sentidos!
Nos olhos, o bailado daquela seara que ainda hoje vejo no palco das minhas saudades!
Nos ouvidos, o som lânguido na distância que não se deixa interromper!
E é junho o mês eleito para ouvir a minha ópera no palco aberto da mãe Natureza!

Manuela Barroso



sexta-feira, 1 de junho de 2012

O cisne



O cisne vestido de branco
De asas soltas
Vagueando pela água fora
Olha de cima, altivo e sereno
Como um navio que na água mora.

E esta presença quase principesca
Namorando as pessoas que o apreciam
Faz-me lembrar que na alvura das penas
Se esconde o orgulho das almas pequenas...

E o cisne de neve
Revolveu-me o pensamento:
De que serve o branco da candura
Quando dentro da alma perdura
O orgulho e altivez segura
Que ao cisne serve de alimento?


Manuela Barroso, in "Inquietudes"
Imagem : Net