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sábado, 12 de dezembro de 2020

Ainda Ouço

 

 foto minha

 
Quando o sonho se torna um pesadelo, quando as poucas  résteas que sobram, ensombram ainda mais os nossos dias, embarco na imaginação e faço o percurso do"faz de conta"no filme  das minhas recordações.

E...

...ainda ouço os rumores vazios das noites quentes de verão.

Queria volatilizar a saudade das vozes frescas das crianças, na poeira da estrada.

Queria poder esquecer o chiar dos carros de bois naqueles estios dolentes, arrecadando urze, tojo e flores silvestres que se deixavam arrastar pelo suor demolidor de corpos cansados.

Queria voltar à sombra da minha tangerineira com persianas de flores escorrendo pólen, suavizando a alma de perfume, enchendo os olhos de perguntas  que eu guardava na concha das mãos.

Sobram as paredes sujas do tempo, as fontes secas de águas desviadas, o jardim solitário de uma multidão de pétalas, a geometria desfeita dos canteiros que contornavam as minhas rosas.

A sombra persegue-me num espelho de recordações que me vão morrendo, abafando os alicerces da infância.

Já não ouço as poupas, as rolas e o cuco, música que me embalava nestas tardes mornas subindo pelos troncos das glicínias.

Não lhes dão tempo de migrarem. Com as  sementeiras de pesticidas, tiram-lhes o voo e a voz. 

Com eles os grilos e as cigarras. 

Mas...

...afinal onde vai o meu devaneio ? No ponto de partida...porque a alma está ferida.

Hoje, abandono-me num canto que me acolha.

E espero, paciente que alguma alegria  me recorde, volte e me recolha.

 

Manuela Barroso


 

 


17 comentários:

Roselia Bezerra disse...

Bom dia de domingo, querida amiga Manuela!
Com toda certeza será apanhada no colo por anjos que andam pelos ares no resgate de almas poéticas que sabem esperar pelo melhor que virá.
Tenha uma nova semana abençoada!
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

chica disse...

Em meio a tanto que vivemos, recordações de outros tempos nos chegam... Lindas as tuas e que vnham as alegrias... beijos, tuuuuuuuuuudo de bom,chica

Toninho disse...

Bom dia querida Manuela!
A linda foto fez me lembrar uma das telas de Van Gogh lindo click.
Mas viajar nestas reminiscências é maravilhoso na manhã de domingo. Senti cheiro de tangerina, calquei meus pelos canteiros. Um sonho que se poetiza na sua mais fina arte da sensibilidade. E a alegria te resgata para saborear a poesia.
Show amiga.
Bom domingo de feliz semana.
Cuide se.
Beijo na paz.

Ailime disse...

Boa tarde Manuela,
Dá gosto ler as suas memórias de infância, que me fazem recuar no tempo e nelas encontrar algumas semelhanças com as minhas.
Belíssima narrativa!
A fotografia é linda também.
Um beijinho e bom domingo, com saúde.
Ailime

MARILENE disse...

Maravilha de texto, Manuela! As recordações da infância nunca nos chegam em sua totalidade. O fim de seu devaneio é nostálgico, mas o caminho percorrido é cheio de alegrias, daquelas que podemos abraçar para tirar a nebulosidade do hoje. Grande abraço.

A Paixão da Isa disse...

foto muito bonita assim como o pst desejo felizes festas bjs saude

Graça Pires disse...

Recorda, lembra tudo o que a vida te deu. É melhor do que ficar nesta angústia. Porque virá outro tempo que também vais gostar de recordar.
Eu gostei de voltar contigo a esse passado mágico e ficar a teu lado à sombra da tangerineira. Que belo texto, minha Amiga Manuela! E que fotografia lindíssima! Continua a escrever assim. Gosto tanto deste registo...
Continua a cuidar-te bem.
Uma boa semana.
Um beijo enorme.

João Santana Pinto disse...

Quanto mais se avança pela idade, mais fácil se torna entender os mais antigos. É difícil não ter um discurso um pouco mais triste quando existem memórias que já não são passíveis de ser observáveis.
Acresce tudo o resto que parece já não existir (e que seria de esperar existir).
Um texto pleno de poesia e uma escrita de grande qualidade, por si só, têm de ser, uma fonte de alegria.
Um beijo e uma semana inspirada

Jaime Portela disse...

Um texto de memórias e saudades.
E magnífico. A sua leitura é uma delícia para os sentidos.
Continuação de boa semana, querida amiga Manuela.
E Bom Natal.
Beijo.

A Casa Madeira disse...

Lindo poema e imagem, todos estamos esperando
por dias melhores.
Boa continuação de semana e obrigada pela sua presença.

Majo Dutra disse...

Há dias assim para todos, em que necessitamos de colo e carinho...

Muito belo, Querida Poetisa.

Dias bons e harmoniosos. Abraços. 🎀🍀
~~~~~~~~~~~~~~

Manuel Veiga disse...

bela a tua poesia, Manuela
que admiro imensamente.

Votos de Boas Festas
beijo

A.S. disse...

Nanuela! Sente-se a nostalgia no aroma das tuas palavras. E como eu te entendo querida amiga! Mas, se por um lado, sentimos júbilo por recordações que nunca esquecem, há um outro lado que nos diz para olhar para amanhã e todos os dias que se seguem, porque já nada é como antes, os tempos mudaram e a permanente lembrança do passado nos dificulta a aceitação desta realidade imutável!
Eu...e acho que todos da nossa geração, se confrontam todos os dias com esta duplicidade de emoções!
Também eu queria voltar a ir roubar figos na quinta do meu sogro e apanhar pardais para a represa que regava os campos! Sabes, se pensares bem...temos outras vantagens!...!!!

Um grande abraço!

Agostinho disse...

Tinha de ser aqui que a tangerineira fazia a sua aparição. Coincidências que nos vêm à memória reservadas por tantos soltícios.
À direita da varanda, passado o arrebato da clavícula quebrada, lá estava ela majestosa, densa, perfumada ou colorida, consoante a estação.
Que fazer agora, senão arejar o sótão das recordações? Fazer o passado presente é um estímulo de esperança para o futuro.
Gostei muito do suculento naco poético.
Bom Natal, cara Amiga Manuela Barroso.

Maria Rodrigues disse...

No baú das nossas recordações, há sempre alegrias escondidas, para alegrar os nossos dias mais sombrios do presente.
Dentro do possível e em segurança desejo um Feliz Natal 🎄 e um excelente Ano Novo 🍾 pleno de tudo de bom.
Beijinhos

Ana Freire disse...

Adorei cada palavra, Manuela! Os lugares até se podem transfigurar ao longo do tempo... mas as recordações felizes... permanecem-nos sempre, atravessando qualquer tempo...
Adorei estas suas memórias, Manuela... que de alguma forma me transportaram a mutos momentos bem assim, nas minhas férias de Verão, da minha juventude...
Um beijinho grande! Votos de um excelente fim de semana, estimando que se encontre de saúde, assim como todos os seus!
Ana

Teresa Almeida disse...

É nos braços da imaginação que revisitas lugares e afetos. E teces poesia em delicada teia. Sei do que falas, minha amiga Manuela. Um poema muito belo - ao teu jeito.

Beijo
e que tenhas um excelente NATAL.