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domingo, 18 de março de 2018

Ondas


marcia batoni

As ondas das árvores são o balancear da melodia
onde te encontro, num caudal de chilreios desatinados.
A foz é o oásis onde permaneço numa hipnose
tão lúcida!
Cada folha é a nota musical onde repousam
os meus sentidos.
A morada deste corpo consome-se e funde-se
com a terra cravejada de folhas num soalho
feito mortalha, nesta eterna canção a sós.

Pousa em mim , ó deusa do bosque, e rodeia-me
de labirintos de luz.
Entorpece-me com esse relâmpago, onde procuro
um olhar que se perde nas sombras, afogando-se
num sono esquecido.

Fica comigo, deusa, acendamos um fogo que ajude
a pernoitar sob o manto da tua proteção.
Que as labaredas sejam o cálice de brisa quente
acalentando este cansaço abandonado na viagem
que tarda. Volta a adormecer-me antes que ela arda
na cinza da tarde.
Arrasta as violetas do bosque. Quero deleitar-me
com o perfume roxo do coração vertido na sua imagem.
Inunda o vale de insónias para que respire
a  madrugada até à última gota de orvalho.

Quero voltar a adormecer na incandescência do sol,
subir na vertigem das heras, onde se refugia o rouxinol.


Manuela Barroso


domingo, 11 de março de 2018

Invernia






 christine schloe


Chovia a noite na transparência
serena e doce do olhar do orvalho
confidenciando com a melodia  acre
de gotas sonoras.
Na cortina da bruma, ainda mais baça,
bailava o mistério  da invernia sedenta
de fome na procura insaciável da seiva
das palavras.
Nas mãos das árvores desprendem-se 
ocasos nascidos do ventre da terra.

O silêncio nasce no espaço da incerteza
do destino da manhã.
Iluminam-se corpos na caverna da noite
com vazios de ventos, de luzes difusas, 
prolongando-se em nevoeiros inquietos.

E os segredos noturnos dormem nas veias 
agitadas das árvores e no coração das pedras,
abrigadas na glorificação  da beleza
de sombras inquietas.

Manuela Barroso, in “Laços”- Dueto -




domingo, 4 de março de 2018

Quando

 Salvador Dali

Quando eu for um sonho de flores transparentes,
no cais da minha madrugada, arrasta-me na sombra
das tuas águas para um porto florido, no infinito das
minhas noites.
Quero ser o vitral que emoldura os meus tédios,
na verticalidade das suas misteriosas cores,
transportando o seu estranho vulto, numa consciência
ausente onde murcham os jardins, como uma floresta
de silêncios.
E abrir-se-á uma porta por onde entram brisas
que se escondem de mim, perfumando o salão da
minha alma, como grinaldas de primavera, entoando
alegrias orvalhadas, num cortejo de violinos, tecido
pelos teus dedos.
E o teu vulto circunspeto, distante, amorfo e frio,
permanece imóvel, em lábios húmidos que procuram
a sedução no silêncio das horas da tarde, que vão
descendo em cortejo luminoso, em inquietantes
intensidades de entardeceres.
Serei para sempre o pórtico de uma metáfora,
escrita no inconsciente de uma alma sedenta de
sorrisos de estrelas, em cortinados de tédios.
No claustro da minha noite, assoma o nevoeiro
 incógnito, atravessando o cetim das tardes,
com sabor a noite, na saudade do infinito.


Manuela Barroso, “Inquietudes”- Edium Editores, 2014