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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Simplicidades...

 SVM

A manhã madrugou os meus olhos ainda sombrios e a claridade acordou os sentidos ainda entorpecidos pelo longo sono da noite.
Neve. Frio.
Como um clarão, abriu-se uma fenda donde jorraram recordações brancas, longínquas, como o algodão de neve que envolvia agora a minha memória...
...
Manhã.
A bruma matinal dificultava a nitidez do horizonte da serra geresiana que a pouco e pouco desafiava o sol que ia cedendo à sua altivez, na glória da luz que fria, escorria...
Conforme o dia florescia, abriam-se clareiras na paisagem ora verde ora desnudada, de um Minho sempre alegre, cativante.
A terra vazia, cedia com mágoa à geada que penetrava nos interstícios como que ela própria buscando refúgio agonizante nos segredos do chão.
Os valados com a erva tenra, franzina, eram cascatas verdes vergadas e contornadas pelo rendilhado de gelo que cristalizou quando a água vazava, pingando no regato transparente escrito no solo.
...E era o fascínio...
Na viagem pelos valados, surpreendida pelo excesso de frio e temperaturas negativas, a água  congelava, dando origem às mais variadas formas, como que esculpidas por mãos invisíveis nas madrugadas esquecidas.
Esculturas intrigantes em cristal límpido e luminoso que eu procurava decifrar nas suas formas, ora abstratas ora “naives”, na embriaguez do imensamente belo!
E contemplava estas saliências e curvas anónimas interpretando enigmas frios, macios, tentando contornar as interrogações que fluíam em catadupa no rio da minha imaginação de menina.
E arrancava das ervas estas formas enigmáticas que pendiam como que surpreendidas, numa paragem brusca, de uma viagem com destino interrompido, agora nos olhos enternecedores e deslumbrados de uma criança.
Ausente do frio e vento fino do leste, rodava nas mãos pequeninas, perguntadoras e frágeis, estes caprichos da Natureza, num maravilhoso êxtase de fascínio que se cristalizou abrutamente naquela noite em que a água ainda dormia.
...e guardei-os em mim.
...
Voltei ao agora.
Procurei valados e fontes e ervas pendentes procurando reavivar memórias...
Só encontrei jardins geométricos e névoa de fumo preto contornando a serra cinzenta de cimento agreste...
 E num regresso às minhas memórias, refiz as minhas estátuas de outrora...
... e plantei agora no vale da minha sombra...
... transparências de futuro...

Manuela Barroso

26 comentários:

Ange disse...

Manuela boa noite!
Nesta viagem que faz sua memória, você é enriquecida de recordações diversas e muitas inspirações! Que viagem!
Para mim entrar aqui é pegar carona e viajar!
Uma linda noite e um maravilhoso fim de semana!
Lembranças,
Ange.

Ange disse...

Olha só, achei muito interessante, que enquanto eu estava aqui pegando carona e viajando nas tuas recordacoes, você se encontrava lá na minha página, registando sua lembrança nas Eternas Lembranças.
Legal coincidência né?
Linda noite para você!
Ange

Rui Pires - Olhar d'Ouro disse...

OLá Manuela, também adorei e "peguei essa carona" que me permitiu viajar nessa maravilhosas palavras.
Gostei da relação com a fo que é linda!
Bjs

Clube dos Novos Autores - CNA disse...

Um texto bacana!
Encontrei-me diversas vezes durante a leitura. A imagem me remeteu para dentro de suas palavras!
Estou seguindo aqui, e lhe convido a conhecer o Clube dos Novos autores, segue a gente?
Um grande abraço!

Leninha Brandão disse...

Lindas imagens,Manu querida,traduzindo tuas recordações de menina e transportando-as para o presente.
Não temos a neve por aqui,mas temos a bruma que tudo envolve e parece uma organza a cobrir os montes e vales...e o nosso inverno,em minhas lembranças de menina,carece do romantismo que a neve propicia.
Bjssssss e carinhos,
Leninha

mfc disse...

Dizem, e bem, que não se deve voltar ao lugar em que um dia se foi feliz.
Porque para além dessa felicidade há a idealização que é feita dela e que também se vai tornando "realidade" nossa!
E esse reencontro vai fazer desmoronar essa idealização construída!
Como semptre um texto lindamente construído que nos enternece a cada alusão sentida que faz.
Beijinhos.

Eloah disse...

Manu, minha linda amiga, você traz na alma o dom de descrever com tanta precisão e fascínio, que caminhei com você nesta manhã fria e cinzenta pelos valados congelados.Estou encantada.Lindo demais !
"A terra vazia, cedia com mágoa à geada que penetrava nos interstícios como que ela própria buscando refúgio agonizante nos segredos do chão." Querida, trazes no olhar a delicadeza impar e poética, que na simplicidade do momento fez dele este lindo poema.Parabéns!Mil flores para você. Bjs Eloah

lis disse...

Oi Manuela
Belo formato poético pra descrever memórias, lembranças.
sabes bem usar as palavras e encantar.
uma boa semana um bom domingo

Elcio Tuiribepi disse...

Oi Manuela...

Muito bonita a sua forma de reviver memórias por intermédio da escrita
Voce imprime um ritmo que nos prende a leitura...sua narração vai construindo a história e nos envolvendo...parabéns...isso vem da alma...nasce no coração

Um abraço neles...no coração e na alma...

Bjo

tecas disse...

Querida Manelinha,recordações de infância que jamais se apagam. A terra cedia e os sentimentos também cederam para além do tempo. E, basta um pouco de neve, uma mão da Mãe Natureza para dentro do seu coração, renascer a criança em si. Nesta sublime prosa poética, vejo a menina e a mulher. Belo. Simplesmente belo.
Sem mais palavras para comentar. Há sensações que nos deixam sem palavras. Beijinho amigo, bom domingo e uma flor.

Celso Mendes disse...

Que bela viagem! São dessas viagens que devemos alimentar e realimentar a alma. Das simplicidades que podem ser tão marcantemente belas.

Prazer grande em te ler, amiga.

beijinhos.

Fernando Santos (Chana) disse...

Olá Manuela, belo texto...Espectacular....
A esperança de um novo dia torna belo o entardecer.
Cumprimentos

Smareis disse...

Manuela, quanta beleza nas palavras. Fico sempre em estado de graça quando te leio, consigo visualizar cada detalhes e viajar com você em cada versos.Sempre lindo de encantar. A natureza jorra sempre muita energia na nossa vida. Beijos e ótima semana.

Elvira Carvalho disse...

Bela viagem pelos recantos da memória. Muito bem escrita, leva-nos consigo e faz com que assimilamos as suas como sendo as nossas memórias.
Um abraço

Helena Chiarello disse...

As imagens que você desenha com palavras são belíssimas, Manu!!
Apesar de descrever o frio, usando-o até como metáfora, há um calor imenso em tuas palavras!!
Lindo isso!!

Saudade gigante, amigamada!! Estamos na correria aqui e o relógio não dá nem bola pra essa vontade enorme que a gente tem de visitar os amigos! Mas não há de ser nada, é por uma justíssima causa!... rs

Um beijo e meu sempre carinho!

Menina no Sotão disse...

E eu aqui com sons de oceano em minha mente. Ouço uma canção de tempos idos e me encolho em saudades de dias inebriados. Há tempos procuro por dias assim, onde o horizonte não me iluda com raios aquecidos e coisas deveras desnorteantes. Aqui tudo é excesso de chuva no fim do dia, de sol pelas manhãs... rs

bacio

A VIDA É UM ETERNO APRENDIZADO disse...

Olá1
Tem coisa mais linda do que palavras,que são jogadas na tela e formam um lindo texto como este?
Grande abraço
se cuida

Emília Pinto disse...

Viagens que a nossa memória faz ao passado revivendo as simplicidades da vida, as pequeninas coisas que nos encantaram e que são as que coloriram a nossa vida; com essas memórias continuamos no presente, no aqui e no agora a procurar essas simplicidades...encontramo-las, porém diferentes, como diferentes estão os olhos de quem as observa, o coração de quem as sente; continuam no entanto a ser belas se ainda conseguirmos ver beleza noutras simplicidades. No futuro...quem sabe...outras simplicidades...diferentes de certeza;mais belas...menos belas...vai depender da capacidade que tivermos de descobrir a beleza que com certeza estará por lá. Lindo texto, como sempre, Manuela. Bela a tua maneira de escrever, onde a poesia se sente em cada palavra. Um beijinho e Parabéns.
Emília

Nilson Barcelli disse...

Ler o teu magnífico texto é fazer uma viagem fantástica às nossas recordações de infância.
Revisitar esses lugares é ver o que de mal fizemos à Natureza.
Adorei este teu texto.
Beijo.

Elcio Tuiribepi disse...

Obrigado pelas palavras lá...pelo carinho...
Um abraço na alma escritora...rs
beijo

quanto pesa o vento? disse...

viajei entre as tuas sublimes palavras... adorei!
fizeste-me sentir :)
abraço.

Ange disse...

Revivendo emoções nesta simplicidade...
Uma linda tarde!
Ange.

SOL da Esteva disse...

Querida Manuela

Quase me revejo neste relato poético, neste mesmo local, das recordações que nos ficam (ficaram) gravadas desde a meninice.
Superamos a fantasia e fica-nos a sensação de ser tudo actual, de hoje, de agora...

Beijos

SOL
http://acordarsonhando.blogspot.com/

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida

Uma viagem que nos leva a um tempo doce e despreocupado, quando a nossa alma ainda se vestia de Primavera e havia laços nos nossos cabelos.
Como sempre é uma viagem sublime que faço nos teus textos...encontro-me tantas vezes nas tuas palavras.

Deixo um beijinho com carinho
Sonhadora

Duarte disse...

São os efeitos da climatologia, mas que no Minho obtêm outro tom, seja verão ou inverno, pois é uma região que supera adversidades ante tanta beleza natural.
Nunca vi o Minho nevado.
É certo que no Porto só uma vez, e nos recantos sombrios, só sei que foi no ano em que morreu Caril Chessman.
Um grande abraço, desde amigos de Portugal

Zélia Cunha disse...

OI, amiga
Que lindo poder viajar na linda memória de tua poesia. Nos enleva com suavidade e nos transporta por lugares maravilhosos.
Um grande abraço, querida!