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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Chamo-te

 





Chamo-te no timbre dos ventos, no som 
cavado das montanhas.
Respondem-me baladas de violinos no contrabaixo da serra.
Subo. Voo nas asas das aves emplumadas
de nuvens e arrasto o coro que sopra da terra
para os picos da serra.

Sou a gota sobrevoando os vales verdes, errante,
sou nascente e primavera,  sou voz que treme na
harpa, ecoando no sibilar límpido dos regatos.

Chamo-te no cântico sereno das cores onde a música da vida se funde nos olhos das flores.
Rodeiam-me os anéis do tempo, num contínuo caminhar,
ora lento ora sonolento, mas insisto com a mão leve deste
sopro sedento.

É noite na minha aurora, quero esperar pelo sol,
derreter a minha neve
ser água correndo lá fora.
E chamar-te-ei na liberdade do vento
na quietude que demora.

Sou a prisão do meu peito
na voz muda do pensamento.

Manuela Barroso,in  “ Luminescências “ Seda Editora




quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Escrevo-te

 


Christine Ellger




Escrevo-te  no sol desenrolando penachos de 
nuvens na bebedeira dos catos antes que morra 
no outeiro da tarde. Escrevo-te toardas sombrias, 
que correm entre mim e ti,  e  que tento em 
vão decifrar. Perdem-se nos confins, nos labirintos 
das memórias no grau zero da escada, ponto 
onde escuto o nada. Só ouço remansos, volto, 
escolho descansos, aninho-me no canto do 
meu lugar. Acorda-me uma gaivota. Afinal 
a luz existe. Porque não corres com ela? Sei.

És pássaro sem asas. Mas plana com teus braços 
feitos remos neste mar que é a estrada. O sol 
vai alto. Até ao sol- pôr vive cada minuto 
em desmedida cavalgada. Liberta te,solta-te 
já que a vida é só um salto.


Manuela Barroso
 

 



 


quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Fugiram os pássaros

 


Fugiram os pássaros na invernia do desassossego.
Canta agora a música sozinha na sombra nua
escorrendo nas tendas da terra onde hibernam
as notas do solstício. 













Fugiram os pássaros na invernia do desassossego.
Canta agora a música sozinha na sombra nua
escorrendo nas tendas da terra onde hibernam
as notas do solstício. 
Acordarão com Vivaldi
nos rebentos de primavera
vivendo no coração dos trópicos.
A alegria ainda balouça em folhas secas tardias
no soluço dos galhos descarnados,
na erva fresca,
no regadio dos prados.

Firmes e solenes, as árvores ensinam
paciência
e resiliência
à pressa dos Homens.

Fixo a casca dura de um caracol.
Acompanho a sua excursão lenta na
inclinação das pedras.
E no contraste entre a fragilidade e resiliência,
os dois se irmanam: tudo o que existe são moléculas
que se complementam.

E naquele jardim, vi assim, 
que também faziam parte de mim.

 Manuela Barroso “ Luminescências”







segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Foges de ti









 Foges de ti para te encontrares. Mas só encontras solidão.
A tua casa enche-se de muros que não deixam penetrar
os teus murmúrios
E quero-te aqui.

Voa como os pássaros e encontra a leveza das penas
na alegria do manto das estrelas.
Caminha e varre o chão com o Amor dos teus pés.
Fixa o horizonte e traz-me candeeiros de purpurina
para celebrar a tua chegada.
A luz será a tua porta algures na neblina.
A música, o teu caminho com revoadas de andorinhas meninas.
Traz-me rosas para colorir os teus olhos
incenso de violetas para perfumar a tua casa.
Nas mãos, o pão de cada dia.
E mais flores nas tuas asas, para mim.
Eis tudo.
Só. Assim.

Manuela Barroso. "Luminescências", Cap.Da Essência 
Imagem-pixabay

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Tropeçando

 






Ainda arrebatada pela opulência do sol
vou trpeçando nestas folhas de Outono que me dizem adeus.
São folhas demais em mais uma tarde no adeus de outro dia.
Os olhos arrastam-se com as folhas com fome de vida
e rolam com o arrepio cruel do vento, na boca aberta dos túneis,
nos aquedutos sombrios, no esgoto da  noite num redemoinho
cruel e selvagem num silêncio sem retorno.
 
Morrem nos meandros das feridas no desprezo do verde.
A nortada varre este castanho que esvoaça com gaivotas em desalinho.
Percorro a tempestade desvairada que arrasta inércias entregando-se
ao campo branco do mármore.
 
Tento decifrar o segredo da linguagem encarquilhada deste caudal
moribundo mas  oh, insignificância humana, deparo com a limitação da matéria
neste corpo que se transforma lentamente num bosque de musgo onde
começam a nascer líquenes de saudades.


Manuela Barroso
In "Poemas Oblíquos"