sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Repousando

Minho

É uma luz calma que vai espreitando a terra.
Um vento leste, triste e manso, carrega com ele o ar cansado do verão quente.
Tudo estiola.
O orvalho é bebido pela vida que o rodeia...
...e as folhas ficam encarquilhadas, numa contorção angustiante de sede, de sombra.
Solo ressequido e poeirento nas bermas asfaltadas das estradas.
O caminho alonga-se na medida inversa dos raios solares.
Uma pedra lavrada de musgo seco, lembra que já foi palco de vida...
...fim de estrada, fim de pó.
Nasce um córrego que foge deste talco, descendo uma delicada ravina...
...e a sombra arrasta o verde...
Cheira a água e acontece a profusão de cores, nas flores penduradas, nas ribadas.
Os meus pés soletram as lajes uma a uma, escorregadias, como granito macio, roído pelo tempo.
Os ouvidos questionam um sussurro.
A água vai rebentando das rochas num regato maroto, bordado de flores azuis! São miosótis!
Acompanho este correr cantante da água...
...meia poça, meio lago, num aconchego de margens feitas em açude,  árvores inclinadas, numa saudação à Natureza...
...e mais vida acontece com a água plantada no verde das plantas aquáticas subindo...subindo à procura de luz, nas flores, nos ninhos dos rouxinóis presos na sombra do berço de folhas, nas libelinhas e no coaxar das rãs...
E todos os meus sentidos ficaram presos nesta presa  e na quietude onde tudo aconteceu espontâneamente, exceto eu...
E  o arrepio do vento era agora a brisa morna que acalmava ainda mais a pele das águas que tremiam só  com o esvoaçar das libelinhas, neste espelho onde até o céu se mirava...
O tempo morria, porque nele me perdi...numa imensa meditação...
...e permaneci assim presa, nesta encantadora prisão...

12 comentários:

  1. A descrição perfeita onde o sentimento, tal como uma paleta, fica abundante de cores lindas!

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  2. Cara Manuela, quantas vezes nos perdemos no tempo... em imensas meditações!
    Gostei imenso de mais este deleite de suas palavras que nos espevitam a alma!
    Obrigado!

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  3. Encantadora mesmo, Manu!

    Fico inebriada pela suavidade das tuas palavras, me perco no tempo quando te leio, querida minha!

    =D

    Beijos enormes, abraço apertado.

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  4. Estava a escutar "Les Feuilles Mortes" ao mesmo tempo que lia este belíssimo post (mais nostálgico não podia ficar)... "e permaneci assim preso, nessa encantadora prisão".
    Bem Haja!

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  5. Minha querida

    Um texto com as cores e cheiros de Outono...um desfiar de tempo e vida por entre as pedras.

    Adorei e deixo o meu beijinho com carinho.

    Sonhadora

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  6. As vezes suas linhas desenham meus movimentos aqui.

    "Um vento leste, manso, carrega com ele o ar cansado do verão quente".

    Foi assim pela manhã e depois veio a chuva e tornou presente uma promessa de primavera que se perdeu minutos depois. Veio o vento, falou do outono e fiquei junto a janela esperando o inverno. Só faltava ele. Então percebi que me perdi do tempo...


    bacio carissima

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  7. Olá,
    Eu queria escrever luxuoso. Usar palavras que rebrilhaassem molhadas e fossem peregrinas. Às vezes solenes em púrpura, às vezes abismais esmeraldas, às vezes leves na mais fina seda macia...
    São lindas as suas palavras!


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  8. Oi Manuela
    Um poema em prosa que é uma delícia de ler e sentir.
    A natureza a desenhar por entre suas palavras provocando brilho nos meus olhos .
    Obrigada por emprestar-me seu talento e fazer-me também repousar.
    um abraço forte

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  9. Manuela

    Excelente retrato duma Terra... duma Vida que se quer excelente.
    Trouxeste-me lembranças... saudades...

    Beijos

    SOL

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  10. Manu amada,estou aqui sentindo teu poema,caminhando contigo,vendo as plantas aquáticas,os ninhos dos rouxinóis,e me vem à lembrança um outro rio,que fez parte de uma feliz época de minha vida e onde eu também meditava e sonhava...
    E,meditando contigo,me entrego ao sonho e mergulho em recordações que tu,com tua magia,fizeste acordar.
    És fada,és anjo que caminha entre as pedras e desabrochas encantos.


    Bjssssss,
    Leninha

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  11. Hola querida amiga Manu!

    Nem preciso dizer o quanto aprecio ler-te.

    Me ponho a imaginar esta relação intensa e o olhar que possui de cada “travessura” da rica, majestosa e tão simples natureza. Além, de um exímio pintor, e sem pincéis ou telas, consegues pintar uma obra prima, e mais, fazes parte, como se de folhas, flores e água fosses também tecida.

    Mais uma vez, me encantas!
    Bjs.
    Vi.

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  12. Querida Manelinha
    Sempre a meditar, inquieta!
    Essa Natureza, exuberante e a trazer alguma frescura, pelo riacho que a percorre, é um palco perfeito para repousar! E tu, és a maior dádiva que contempla toda essa envolvência.
    Belo texto!
    Um beijinho
    Beatriz

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