Foto de Rui Pires |
O tempo ia caindo como pétalas cansadas de flor vazia ...
Abrem-se caminhos solitários nas encostas, sem o sol da primavera que sempre explode em sorrisos e cascatas de cores, desafiando floresceres.
Mas agora, a vida começa a amarelecer, adormecendo com ela o sol suave e macio dos crepúsculos morrentes das tardes mornas...
E no pensamento desenham-se parras e cachos pendentes com cheiro a mosto e fim de verão...
As vinhas sobem, deixando sacudir seus vestidos já gastos, que envolvem os bagos carnudos, com seu pudor de menina...
Manhã!
Um cheiro a orvalho enche a alma de terra toda. Nas ramadas altas do Minho, antes, só os homens trepavam as altas escadas com cestas de verga
e cujo gancho prendiam nos degraus espaçados, num assalto feito de conversas e sorrisos masculinos, arrancando os cachos sem mimos...
....e os bagos caem no chão como lágrimas pretas e lágrimas brancas...
...e o chão semeado de bolas pretas e brancas, esperava carícias de mãos pequeninas...
E da brincadeira a sério passávamos à brincadeira a brincar...com os adultos a tartamudear que “ o trabalho de criança é pouco, mas quem não o aproveita é louco...” ...e era assim que entrávamos no baile das vindimas, envolvidos nesta festa de Outono.
E bago a bago, colhíamos as lágrimas que também eram sorrisos...
E juntávamos os bagos aos cestos empanturrados de uvas como se cada bago fosse um cacho onde ia um pouco de nós.
Costa acima, os cestos passeavam nos ombros até ao lagar de granito para uma primeira transformação que se repetia durante o dia.
E o peso não diminuía o sorriso, porque era o peso da alegria que não pesa. Sabiam que dentro em pouco esse néctar seria imprescindível para celebração de festas que uniria pactos e factos até novo Outono.
E as folhas ficavam mais nuas.
E eu sentia-me mais só.
O céu já não se enfeitava de estrelas pretas...E como que numa saudade que vai morrendo, eram deixadas gaipas (pequeninos cachos) aqui e além para matar saudades dos bagos que púnhamos no regaço, onde como num lançamento de dardos, feitos de alfinetes, eram saboreados só quando pescados pelo anzol da habilidade ou do destino...
Simplicidades de menina...
(continua...)
Me perdi a lembrar de mim mesma e de uma jabuticabeira que reinava no fundo do meu quintal no tempo da infância. O céu parecia muito mais azul por entre os galhos verdes daquela menina. ai ai ai
ResponderEliminarSuspirando fundo aqui.
bacio
Este reviver lindo dos "trabalhos" de então... dá-me umas saudades imensas!
ResponderEliminarQue evocação mais sentida!
Ah, mas gostei tanto, Manu!!!
ResponderEliminarQuando tem mais? Quando? Quando?
=D
Um beijo gigante, querida minha!
Nossa, que viagem...que texto belíssimo, de um encanto sem fim...
ResponderEliminarAs parreiras me fizeram voltar e viajar pela minha infância, onde brincava no quintal da minha casa, embaixo das sombras das belas parreiras, carregadas de cachos de uvas...que delícia voce me proporcionou, através destas mágicas palavras...
Manuela, tu és divina...
Um beijo anjo...
Minha amiga querida,muito linda esta viagem à infância,fez-me ver outra menina,que também brincava no armazém de café de seu avô e,com seus cachinhos negros e brilhantes,corria por entre as bancadas onde as catadeiras escolhiam o café e pelas rampas onde os empregados carregavam os sacos.E o cheiro do café em grão grudava em suas roupas e em suas narinas.
ResponderEliminarLindo este trecho:
E o peso não diminuía o sorriso, porque era o peso da
alegria que não pesa.
Realmente,o que se faz com alegria não pesa,nem cansa.
Estou aqui querendo ler a continuação e saber mais desta menina,cheirando à uva...
Manu,você é a fada das palavras que sempre me encanta e faz sonhar.
Bjsssssss,
Leninha
Fizeste-me viajar no tempo...no tempo de criança quando no pequeno quinta dos meus pais, junto com outras crianças vizinhas apanhávamos os bagos; nem um podia ser desperdiçado, aliás, naquela época nada podia ser desperdiçado; tempos diferentes dos de agora onde tanto se joga fora. Tempos difíceis...tempos simples, mas tempos bons; conviviamos muito mais...misturavamos ao trabalho as brincadeiras de criança e dessa mistura, dessa fermentação saía um nectar delicioso cujo gosto permanece até hoje em nossas bocas...fica para sempre nos nossos corações. Muito obrigada, Manuela por me ter levado a uma época da minha infância tão feliz. Um beijinho
ResponderEliminarEmília
Muita doçura nessa crônica que lembra
ResponderEliminaro tempo bom da colheita,do momento de coroar o trabalho.
e voce brinca com as palavras fazendo com que seja um momento mágco.
Parabéns Manuela . lindo!
deixo abraços
Majestosas palavras que acompanham a minha foto, é um prazer!
ResponderEliminarMuito obrigado Manuela!!
Manu muito querida,boa tarde!!!E um lindo fim de semana,com uvas,vinho e tudo mais a que tens direito.
ResponderEliminarA menina dos cachos quer ler a continuação da história da menina das uvas e dos parreirais carregados...
Quanto ao filme,aconselho-te a passar em uma locadora ,levá-lo para casa,e,aprecia-lo enquanto saboreias um delicioso vinho...
Bjssssss carinhosos,
Leninha
Como sempre, muito bonito!
ResponderEliminarE naõ sei porquê. veio à lembrança uns versos do tempo de menina, do Tomaz Gonzaga:
" São estes os sítios?
São estes; mas eu
o mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou."
Outros tempos, outras brincadeiras...
Pena que nossos filhos não saibam aquilo de que falamos...
Ainda consegui que o Ruizito fosse "sovar" as uvas no lagar com os restantes homens. Para mais tarde recordar...
Bjocas, lili.
O pão de todo dia e o verso de cada poema.
ResponderEliminarUM feliz Domingo para você uma semana de paz.
Não se esqueça que estou seguindo-te e te amando .
Beijos no coração.
Evanir
OBs:Hoje não estou conseguindo digitar é
só uma lembrança de que estive aqui.
E que te amo sinceramente.
Minha querida
ResponderEliminarQuantas recordações doces ao ler o teu texto que como sempre nos transporta para além de nós e do tempo e vi-me criança na minha planície dourada.
Fizeste-me sentir com laços nos cabelos e um lindo chapéu de palha.
Adorei e deixo um beijinho com carinho e agradecendo as lindas e carinhosas palavras que me deixas sempre.
Rosa
Demorei-me, não devia ter prémio, Manuela! Mas, com a mesma generosidade com que nos conta esta "aventura" de vidas entre vides, vou já ler o texto seguinte.
ResponderEliminarNão vai ser fácil ficar ainda mais encantado mas, consigo, nunca se sabe!
Até já, ali adiante!...
Beijinho
Quicas
Minha querida
ResponderEliminarVivi todas estas «simplicidades de menina», que me fizeste agora recordar! E era tão feliz ! Época de vindimas era sinónimo de festa: e que festa! Com direito a bailarico e cantares ao desafio!
Agora, li e reli este maravilhoso texto, com uma vivacidade descritiva, que me pareceu fazer parte da vindima: obrigada pelos bons momentos que me proporcionaste.
Um beijinho
Beatriz