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domingo, 18 de outubro de 2020

Tarde de Outono

 Eileen  Goodall
 Uma tarde quase primaveril.
Pequenos nadas que se tecem no pensamento, que fazem parte da rotina do tempo, das estações que vêm, que vão.
Os raios de sol caíam luminosos nos braços das árvores, agora desenhados na laje do chão, onde se amontoam folhas secas, mortas, quase desfeitas...
...Era um ritual pachorrento, cuidar da folhagem que ia caindo... caindo a cada sopro de vida no vento.
...E a folha caía, caía...
… caiu... caiu e foi apodrecendo num grosso tapete uniforme e quanto mais o tempo corria...o tapete ia reduzindo o seu corpo, entregando-se ao chão, à terra.
E as folhas secas e hirtas do carvalho e do meu sobreiro, mirravam como os dias pequenos do inverno, não sobrevivendo às chuvas, às intempéries...
Olhei o chão... olhei o céu...olhei a folha...
...Olhei os ramos hirtos numa espécie de clemência à vida...
Fez-se silêncio cá dentro...
Algo bateu fundo, forte...numa profunda inquietação na quietação do meu "eu"...e tudo ficou mais denso, mas mais verosímil com as (in) congruências da Vida.
"Tu és como a folha...
És um rebento que cresce, onde pousam as aves, embelezas os jardins e os bosques com o charme da tua cor, com a majestade da tua essência...
E vives e és feliz como os pássaros que abrigas...e és útil com a tua sombra.
Mas, oh impermanência do tempo...um dia cais como a folha seca...mirrarás sem força, sem vida como a folha, outrora verde e viçosa…e o espaço que ocupavas antes, vai crescendo à medida que vais perecendo, até ficares em nada..."
Os olhos ergueram-se numa não-aceitação deste pensamento como se esperasse outro reduto onde me pudesse refugiar...
E senti que numa hipotética semelhança com a folha, enquanto massa apodrecida e inerte na laje  eu era...sou uma  outra folha…
Eu penso que penso...eu não sei se ela pensou...
Eu penso que estive enquanto estou...e pensando que um dia não estarei mais, mas deixarei a minha voz no vento em palavras porque deixarei a minha voz  algures nos símbolos.
E se Além houver” folhas” também!?
A folha e eu...
A folha e tu...
...Mas a primavera voltará, com novas folhas, novos sorrisos...
...E eu quero o Agora...o outono do Hoje...a primavera que voltará.
Mas...e a folha que eu sou?


Manuela Barroso
(reeditado)

13 comentários:

Roselia Bezerra disse...

Olá, querida amiga Manuela!
A metáfora de sermos nós outras folhas é espetacular.
Em nenhum Outono somos a mesma.
Em cada Estação, ganhamos vida nova no peito, crescimento pela nova fecundação.
Linda reedição!
Esteja bem,amiga!
Tenha uma nova semana abençoada!
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

saudade disse...

E que a cada outono uma folha que cai seja a transformação das que nascem na Primavera.
Excelente poema.
Boa semana

Graça Pires disse...

Somos como as folhas que caem e acabam por fazer parte do húmus que alimenta a terra? Sabes que gosto de pensar que sim. Mas se há o outono, há também a primavera. E felizes os que renascem quantas vezes é preciso. O teu texto faz pensar na fragilidade da nossa vida e na enorme capacidade humana para se reerguer depois da queda...
Protege-te bem minha Amiga Manuela. Uma boa semana.
Um beijo.

A.S. disse...

Muito belo o que escreveste Manuela!
Todos somos folhas, dessa imensa árvore em constante renovação!
Tal como a folha, no entardecer da vida, quando o vento persiste em romper o frágil fio vegetal que nos prende ao ramo, e a cinza nos invade o olhar, penetramos na mais densa escuridão e toda a luz nos pertence!
Eternizamos o sono e a memória insone é agora onde sacralizamos todos os deuses!

Um grande abraço Mamuela!

Teresa Almeida disse...

Há tanta poesia na folha que cai! E todo o teu texto a absorve e com ela te identificas.
Gostei muito de sentir o teu esvoaçar pela vida de cá e de lá.

Beijos e saúde, minha amiga Manuela.

A Paixão da Isa disse...

muito bem escrito adorei bjs

Emília Pinto disse...

Foste tu, Manuela, que escreveste este belo texto, mas poderia ter sido eu, poderia ter sido qualquer outra pessoa que tivesse este teu engenho e arte, mas...só poderias ser tu, querida Amiga ! Eu? Não! A única coisa que posso fazer é dizer que me revi nele e também que qualquer outro ser vivente da natureza tem de se ver aqui retratado. É que na vida de todos há um outono, há as folhas que caem, deixando a arvore despida, ha as folhas que terão como destino final a terra, a mesma terra que deu vida à árvore, uma árvore que, na última primavera exibia com agrado as suas flores e verdes folhas. Somos nós assim, Manuela e, pensando bem...não poderia ser de outro jeito, já que somos parte desta natureza e, como ela, nos vamos transformando, estação, após estação. Outra Primavera, talvez ainda a vivamos, aqui nesta terra, mas a outra, a Primavera da vida, essa, já ficou para trás e não volta. Pensemos nisso e aproveitemos bem este outono com a sua nostalgia, com as suas folhas caidas, com o seu friozinho nem sempre agradável. O Inverno, se lá chegarmos será mais dificil, em todos os aspectos. Vivamos o melhor possivel, sem queixas e com gratidão. Espero, querida Amiga, que estejam todos de saúde e que consigam viver estes tempos conturbados, da melhor maneira possivel. Um abraço carregadinho de amizade
Emilia

Manuel Veiga disse...

Poeta e Natureza a baterem em uníssono na tessitura e no ritmo do poema e a "persistência" obsessiva da folha que baila e atrai como presença absoluta

para, no final, o poema se abrir (e divergir) na consciência da Poeta e na vibração do grito lancinante do "eu quero Agora..." - é a Poeta e o seu humano barro...

gostei muito, mesmo muito, Manuela

beijo, minha amiga

Jaime Portela disse...

Um texto delicioso.
Prosa poética de grande qualidade literária.
Continuação de boa semana, querida amiga Manuela.
Beijo.

MARILENE disse...

Um caminho que, bem poético e lindo em suas palavras, comporta a realidade da vida. As folhas caem no outono. Nós, podemos fazer do outono uma estação colorida em nosso existir, mesmo sabendo que, como as folhas, carregamos a finitude. Bjs.

Maria Rodrigues disse...

Somos realmente muito semelhantes às folhas e o nosso ciclo de vida, vai lentamente seguindo o seu rumo até ao decair final.
Vamos então aproveitar o outono de Hoje, Amanhã logo se verá.
Absolutamente maravilhoso!!!
Beijinhos

Maria Rodrigues disse...

Manuela, voltei para lhe desejar um mundo de alegrias e felicidades.
Muitos Parabéns.
Beijinhos

Jaime Portela disse...

Gostei de reler.
Continuação de boa semana, querida amiga Manuela.
Beijo.