segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Vindimas II


 A tarde ia descendo nesses Outonos, como descem os Outonos da vida...
A noite ia anoitecendo as gaipas na sombra das parras.
As uvas deixavam-se escorrer, e um odor forte penetrava nas paredes da adega enfeitada de enormes tachos de cobre que em breve seriam o palco dos salpicos da marmelada escaldante, onde fumegava como lava incandescente...
A cozinha fervilhava em grandes panelas de alegria...
Mesa grande, colorida!
E tudo seria normal não fora as recomendações peremtórias de meus pais...
...para... “agora as meninas subirem”...deixando o trabalho seguinte no segredo dos deuses...
Morrida a tarde chegava a hora de começar a nascer o vinho em casa só de parteiros...
Eis o mistério feito de segredo e onde as vozes masculinas, ecoavam por todo o quintal já escurecido.
...e conforme subíamos os degraus da escadaria, subia a curiosidade na incompreensão de tal afastamento...
-Os homens vão sovar as uvas...- Eis o aviso!..
 E... ponto.
Não compreendíamos por que razão, uns pés nus, pisando repetitivamente bagos e ossos de bago... tudo era tão envolto em tanto pudor e afastamento!
...e...oh, Deus... como recordo!...
Olhavámo-nos nos olhos inocentes, mas já malandros de meninas irrequietas, e combinamos descer a curiosidade... escadaria interior abaixo, pé ante pé, até este mundo masculino, feito de braços e pernas musculadas...
...e...”ora espreitas tu...ora espreito eu”...
E como uma dança, em tapetes de bagos, cheiro a mosto ainda por fermentar, os pés pisavam as uvas...as pernas tingiam-se de sangue tinto...em caminhadas circulares passo longo... tempo longo...monótono...só quebrado pelo ritmo das conversas, também elas circulares...e onde a polpa vermelha das uvas, se colava à penugem farta das pernas longamente nuas...
Tudo seria tão banal, não fosse o fato, de termos finalmente entendido que as ordens proibitivas, era porque os nossos heróis pisavam as uvas em trajes menores!...
...e não fora algum “percalço”(...), espreitar (...) a qualidade do vinho desse ano(...)
...Hoje, prendo com um grande encanto essa imagem no meu peito...
...agarro-a à minha infância...
... e emolduro-a com o meu silêncio...
...onde ficará para sempre preso o meu sorriso!

Lembras-te Lili?
Sabes?
...simplicidades nossas...

                                                                                Manuela Barroso